Total de visualizações de página (desde out/2009)

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

A atuação do judiciário em defesa das minorias


            O julgado do STF sobre a criminalização da homofobia está entre os mais polêmicos dos últimos anos, pois além de ter promovido uma analogia com o crime de racismo (âmbito do direito penal), trouxe um reconhecimento histórico para a causa LGBT, pois tal criminalização é uma das demandas mais antigas dos militantes desse grupo. Esse julgado causou um abalo nos pilares conservadores da nossa sociedade judaico-cristã e foi combatida por diversos grupos religiosos e políticos. Dito isso, passemos para uma análise um pouco mais profunda sobre a importância dessa decisão e as possíveis críticas endereçadas a ela.
            O filme “Madame Satã”, umas das mais importantes obras do cinema nacional, retrata a vida de um negro homossexual e pobre, morador da região da Lapa no Rio de Janeiro. Com o avanço do filme, ficam evidentes as diversas formas de opressão que o protagonista enfrenta durante a sua vida. Entre elas destacam-se o “apartheid”, notado na proibição da entrada em um evento, a exploração do trabalho, a homofobia latente e a perseguição policial. Esta abordagem promovida pelo filme nos possibilita entender as enormes dificuldades que a população LGBT enfrenta até hoje na nossa sociedade brasileira como, por exemplo, a expectativa de vida das pessoas transexuais ser de apenas 35 anos e a taxa de mortalidade de homossexuais ser maior aqui do que nos 13 países onde vigora pena de morte para LGBT´s. O ministro Ricardo Lewandowski ressaltou em seu voto a dívida que o sistema jurídico, político e criminal têm para com os grupos de travestis oprimidos. De acordo com um estudo de Ana Braga e Victor Serras, “A travesti tem sua palavra silenciada e ignorada em detrimento do peso dos testemunhos policiais e da palavra da vítima no processo de conhecimento do juízo”. A análise desses dados mostra a importância e urgência da proteção legal dessa população marginalizada.
            Ao criminalizar a homofobia, o STF forneceu o que Michael Mccan chama de “fichas de negociação”, possibilitando que os grupos homo e transexuais mobilizem o direito com uma maior perspectiva de vencerem os litígios nos tribunais e terem os seus direitos efetivamente reconhecidos. Ademais, a suprema corte brasileira demonstrou o seu pioneirismo para uma alternância de paradigma, sendo responsável pelo início da construção de uma cultura anti - homofobia. Nas palavras de Mccan: “As construções jurídicas dos tribunais são constitutivas de vida cultural”, portanto, moldam e direcionam o andamento da cultura. Talvez esse tipo de conflito que é levado até uma suprema corte incomode e faça com que alguns questionem a legitimidade do nosso sistema democrático. Esta posição é totalmente oposta ao entendimento de Fran Zemans, que entende a mobilização do direito como uma forma clássica de atividade democrática, pois possibilita e catalisa o reconhecimento de liberdades e garantias dos grupos minoritários, realçando a soberania popular do nosso sistema. 
            Dentre as principais críticas destinadas à polêmica decisão, destacam-se as que questionam a forma como a criminalização da homofobia foi produzida.  A decisão do STF violou o princípio da legalidade previsto no artigo 5°, inciso XXXIX da C.F: “Não há crime sem lei que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. A suprema Corte, ao determinar que a homofobia passe a ser punida pela lei de racismo (7716/89), criou um tipo penal, atitude arriscada para um Estado Democrático de Direito. Além disso, a decisão analisada aqui representou uma contradição à jurisprudência interna do guardião da carta magna que vinha assegurando que: “no âmbito do direito penal incriminador, o que vale é o princípio da reserva legal, ou seja, só o parlamento, exclusivamente, pode aprovar crimes e penas”. Vide caso de absolvição do deputado Marco Feliciano e o da possibilidade de criminalização de condutas por meio de tratados internacionais.
            Durante o julgamento, um documento chegou ao plenário do tribunal com o seguinte conteúdo: “Os aludidos fatos supervenientes demonstram que a matéria objeto de apreciação dessa corte está sendo apreciado pelo Senado Federal, no exercício de sua competência constitucional típica de aprimorar a legislação penal existente”. O plenário do STF, após solicitação do presidente da Corte, rejeitou o adiamento da decisão em decorrência da análise concomitante do Senado. Esta atitude do tribunal foi uma clara demonstração de desequilíbrio entre os poderes, pois a corte excedeu as suas funções. É justamente esse tipo de conduta que é criticada pela autora alemã Ingeborg Maus, ao levantar a questão de que quando a justiça ascende à condição de  mais alta instância moral da sociedade, nenhum mecanismo de controle social (ao qual deve se submeter toda instituição em uma sociedade democrática) poderá freá-la.
            Tendo em vista as diferentes opiniões sobre a atuação do STF, é necessário destacar que apesar das críticas, o Tribunal exerceu uma função de grandeza ao criminalizar a homofobia, pois esta é uma questão de urgência, atrelada à sobrevivência de grupos minoritários que foram e ainda são perseguidos. Essa decisão foi apenas paliativa, com o intuito de fornecer alguma espécie de amparo legal para os grupos LGBT, sendo a atuação do Congresso Nacional imprescindível para que mudanças culturais mais significativas possam ocorrer na nossa sociedade. De acordo com a ministra Carmem Lúcia: “O estado legislador recebeu uma ordem constitucional (de punir toda forma de preconceito). A quantas anda isso 30 anos depois? O estado juiz é agora chamado e vai se omitir também?”. Consonante com esse posicionamento está o ministro Barroso, ao argumentar que: “A conservação e a promoção dos direitos fundamentais, mesmo contra a vontade das maiorias políticas, é uma condição de funcionamento do constitucionalismo democrático. Logo, a intervenção do judiciário, nesses casos, sanando uma omissão legislativa ou invalidando uma lei inconstitucional, dá-se a favor e não contra a democracia”.

Nicolas Candido Chiarelli do Nascimento
Turma XXXVI, diurno
           

                 

Nenhum comentário:

Postar um comentário