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sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Criminalização da Homofobia e Cine Debate: questões muito além de Madame Satã no Brasil contemporâneo.


A recente decisão proferida pelo STF consistente na criminalização da homofobia, após graves omissões legislativas, é um avanço colossal, mas ainda representa um dos primeiros passos para o alcance de uma sociedade brasileira tolerante, menos violenta e realmente justa. E esse passo, como claramente exposto na discussão do cine debate sobre o filme “Madame Satã” ocorrida no dia 18/09/2019, representa apenas o início de tantas outras conquistas almejadas e reivindicadas pela comunidade LGBTI+ por todo o país. Desse modo, tendo como criminalizada a homofobia, visa-se agora um longo caminho a ser traçado para a verdadeira efetivação de direitos universalizados em harmonia com a configuração de uma sociedade cada vez mais acolhedora, respeitosa, tolerante, segura e harmônica.
O enquadramento da homofobia como crime de racismo, na ADO 26, fora sustentado com base na interpretação da comunidade LGBTI+ como um grupo vulnerável, alvo de alta marginalização social e estigmatização pelos pilares mais conservadores da sociedade brasileira. Diante disso, tal tese, fundada na justificativa de que essa estigmatização, desenvolvida e culminante em violência e altos índices de homicídios realizados por meios altamente ilustradores de uma crueldade desmedida, apenas evidencia o quão frágeis são as medidas de segurança pública, principalmente, as voltadas à proteção de grupos minoritários inseridos na dinâmica social brasileira. E, como bem enfatizado pela componente da mesa de discussão, Vita Pereira, criminalizar a homofobia é sim uma conquista, mas mudar totalmente a mentalidade, a consciência social- já fundada em padrões patriarcalistas, opressivos- é, em parte, uma utopia.
Nesse sentido, ao apontar o tamanho da dificuldade de desconstrução de um todo imaginário social construído e cultivado sobre infraestruturas puramente machistas, heteronormativistas durante séculos, Vita, utilizando de passagens do Filme presenciadas por Madame Satã, prostituta e homossexual, evidenciou a importância da luta diária em defesa dos gays, lésbicas, trans, etc. E essa luta, ao contrário da justificada ociosidade de muitos embasada em argumentos como “não deter o direito ao lugar de fala”, é urgente e deve ser acolhida por toda a sociedade. “Enquanto discutimos aqui enjaulados em salas de universidades, centenas de pessoas estão sendo assassinadas lá fora e o poder público absolutamente fecha os olhos para essa situação.” Logo, é urgente que seja reconhecida, sim, a importância da conquista da criminalização da homofobia, porém, toda a luta reivindicatória por reconhecimento, respeito e assistência governamental transcende as esferas jurídicas e se arrastam sobre toda a estrutura social.
Além disso, dentre tantos obstáculos enfrentados diariamente, principalmente transexuais e travestis, como apontado por Madu- também componente da mesa do debate, são alvos, além da discriminação, de violência psicológica constante praticada tanto dentro de ambientes de trabalho, como em ambientes de lazer. E, por isso, a demanda de uma verdadeira transformação no consciente e também no inconsciente sociocultural brasileiro é tão urgente. Tendo em vista que o Brasil é componente expressivo do ranking internacional de países os quais registram os maiores números de assassinatos cometidos contra cidadãos da comunidade LGBTI+ - dado também citado pela Ministra Cármen Lúcia em seu voto a favor da criminalização, é evidenciado que, por enquanto, o país caminha a passos lentos rumo a uma verdadeira conquista humana essencial de um convívio igualitário e harmônico.
Portanto, diante de todo o posicionamento crítico e impactante cultivado no cine debate e em relação à temática de abordagem da decisão de criminalização da homofobia pelo STF neste ano, toda a discussão, na verdade, culminou no deslocamento de um campo analítico jurídico- como analisado por McCann- limitado à discussão de “competências”, para um plano verdadeiramente concreto, que é o do reconhecimento aprofundado da consciência e do imaginário social ainda muito acomodados a preceitos conservadores centenários. E tal deslocamento prático ilustra, verdadeiramente, as reais necessidades brasileiras frente ao rompimento com visões limitadas, simplistas, enraizadas ao modelo patriarcal de sociedade, de modo a evidenciar a situação estacionária brasileira diante de reivindicações e demandas puramente humanas tão urgentes.

Lorena Yumi Pistori Ynomoto - Direito Noturno.

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