A recente decisão proferida pelo STF consistente na criminalização da
homofobia, após graves omissões legislativas, é um avanço colossal, mas ainda representa
um dos primeiros passos para o alcance de uma sociedade brasileira tolerante,
menos violenta e realmente justa. E esse passo, como claramente exposto na
discussão do cine debate sobre o filme “Madame Satã” ocorrida no dia
18/09/2019, representa apenas o início de tantas outras conquistas almejadas e
reivindicadas pela comunidade LGBTI+ por todo o país. Desse modo, tendo como
criminalizada a homofobia, visa-se agora um longo caminho a ser traçado para a
verdadeira efetivação de direitos universalizados em harmonia com a
configuração de uma sociedade cada vez mais acolhedora, respeitosa, tolerante,
segura e harmônica.
O enquadramento da homofobia como crime de racismo, na ADO 26, fora
sustentado com base na interpretação da comunidade LGBTI+ como um grupo
vulnerável, alvo de alta marginalização social e estigmatização pelos pilares
mais conservadores da sociedade brasileira. Diante disso, tal tese, fundada na
justificativa de que essa estigmatização, desenvolvida e culminante em
violência e altos índices de homicídios realizados por meios altamente
ilustradores de uma crueldade desmedida, apenas evidencia o quão frágeis são as
medidas de segurança pública, principalmente, as voltadas à proteção de grupos
minoritários inseridos na dinâmica social brasileira. E, como bem enfatizado
pela componente da mesa de discussão, Vita Pereira, criminalizar a homofobia é
sim uma conquista, mas mudar totalmente a mentalidade, a consciência social- já
fundada em padrões patriarcalistas, opressivos- é, em parte, uma utopia.
Nesse sentido, ao apontar o tamanho da dificuldade de desconstrução de um
todo imaginário social construído e cultivado sobre infraestruturas puramente
machistas, heteronormativistas durante séculos, Vita, utilizando de passagens
do Filme presenciadas por Madame Satã, prostituta e homossexual, evidenciou a
importância da luta diária em defesa dos gays, lésbicas, trans, etc. E essa
luta, ao contrário da justificada ociosidade de muitos embasada em argumentos
como “não deter o direito ao lugar de fala”, é urgente e deve ser acolhida por
toda a sociedade. “Enquanto discutimos aqui enjaulados em salas de
universidades, centenas de pessoas estão sendo assassinadas lá fora e o poder
público absolutamente fecha os olhos para essa situação.” Logo, é urgente que
seja reconhecida, sim, a importância da conquista da criminalização da
homofobia, porém, toda a luta reivindicatória por reconhecimento, respeito e
assistência governamental transcende as esferas jurídicas e se arrastam sobre
toda a estrutura social.
Além disso, dentre tantos obstáculos enfrentados diariamente,
principalmente transexuais e travestis, como apontado por Madu- também
componente da mesa do debate, são alvos, além da discriminação, de violência
psicológica constante praticada tanto dentro de ambientes de trabalho, como em
ambientes de lazer. E, por isso, a demanda de uma verdadeira transformação no
consciente e também no inconsciente sociocultural brasileiro é tão urgente.
Tendo em vista que o Brasil é componente expressivo do ranking internacional de
países os quais registram os maiores números de assassinatos cometidos contra
cidadãos da comunidade LGBTI+ - dado também citado pela Ministra Cármen Lúcia
em seu voto a favor da criminalização, é evidenciado que, por enquanto, o país
caminha a passos lentos rumo a uma verdadeira conquista humana essencial de um
convívio igualitário e harmônico.
Portanto, diante de todo o posicionamento crítico e impactante cultivado
no cine debate e em relação à temática de abordagem da decisão de criminalização
da homofobia pelo STF neste ano, toda a discussão, na verdade, culminou no
deslocamento de um campo analítico jurídico- como analisado por McCann-
limitado à discussão de “competências”, para um plano verdadeiramente concreto,
que é o do reconhecimento aprofundado da consciência e do imaginário social
ainda muito acomodados a preceitos conservadores centenários. E tal
deslocamento prático ilustra, verdadeiramente, as reais necessidades
brasileiras frente ao rompimento com visões limitadas, simplistas, enraizadas
ao modelo patriarcal de sociedade, de modo a evidenciar a situação estacionária
brasileira diante de reivindicações e demandas puramente humanas tão urgentes.
Lorena Yumi Pistori Ynomoto - Direito Noturno.
Lorena Yumi Pistori Ynomoto - Direito Noturno.
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