Finalmente bem analisada e discutida a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO 26) movida anos atrás pelo Partido Popular Socialista (PPS), atual Cidadania, através da liderança da legenda Roberto João Pereira Freire (deputado federal por São Paulo), o Supremo Tribunal Federal (STF), em 13 de junho de 2019, por 8 votos a 3, deu provimento a esta, a qual exigia a criminalização da LGBTfobia e as violências relacionadas (como ofensas e agressões). Assim, a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero passa a configurar como crime, porém sendo enquadrada na Lei Nº 7716/89 (também conhecida como Lei de Racismo), que já definia os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor.
O então PPS endossou em seu argumento na ADO 26 a necessidade do cumprimento efetivo dos direitos previstos na Constituição Federal, especialmente no que se refere ao artigo terceiro, inciso IV ("promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação"), e ao artigo quinto, inciso XLI ("a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais"), alegando também uma suposta "má vontade institucional do Parlamento Brasileiro". A pauta da criminalização é uma das mais antigas dos grupos LGBT+ no Brasil, e, logo, a não tratativa do assunto pelo Poder Legislativo demonstraria uma atitude inconstitucional por se omitir a, ao menos, discutir possibilidades de concretização de direitos, os quais já são uma tendência a nível mundial (a criminalização e a subsequente proteção de direitos são visualizadas em normas de mais de quarenta países).
A acepção de direitos legítimos, aliás, é uma das grandes abordagens realizadas pelo jurista e professor norte-americano Michael W. McCann, definindo o papel dos tribunais na questão da mobilização do direito. O crescente protagonismo das autoridades judiciais neste processo se deve à principal dimensão da influência dos tribunais na perspectiva de mobilização do direito, que é o nível de seu poder constitutivo, através do qual lhe é permitida a interpretação à luz da Constituição para que seja possibilitada a garantia dos direitos exigidos, havendo, por exemplo, um rompimento com a inércia legislativa. Ademais, nota-se que a judicialização possa a ser apresentada como uma solução pontual de problemas, relembrando que o STF, o dito "Guardião da Constituição", por exemplo, já dera prosseguimento a temas de relevância no cenário brasileiro e que estavam deixados de lado pelo Congresso Nacional, como ocorrera com o aborto de fetos anencéfalos, as pesquisas com células-tronco e a união homoafetiva, criando, assim, precedentes de origem legal que possam incidir em "fichas de negociação", essenciais para que haja a reinvidicação por parte de grupos com determinado interesse.
Todavia, é importante também destacar alguns pontos quanto a este cenário. Primeiramente, mesmo munido de aparatos e certa legitimidade e legalidade para agir, o Poder Judiciário deve manter-se em posição de harmonia com os demais poderes, procurando não se a acostumar a tomar decisões cabíveis aos genuínos legisladores a todo instante (estes são os representantes eleitos do povo e devem ser cobrados para tomar ações para cumprir seu papel). Em segundo lugar, especificamente nesta decisão, o enquadramento do crime de LGBTfobia na Lei de Racismo, que se refere a questões discriminatórias de raça e de cor, pode criar confusões na análise de casos; o Congresso poderia desenvolver, então, uma legislação especial para tais situações, mas correndo o risco de razoável divergência com o que fora decidido no STF, resultando em um afrouxamento das regras por sua parte ou pela parte do órgão de justiça citado (ou mesmo em instâncias inferiores) quando a nova lei for utilizada e possivelmente contestada, gerando, assim, no meio deste possível desentendimento, uma contramobilização do direito, ou seja, uma força oposta aos dos direitos que deveriam ser contemplados.
Portanto, em uma sociedade democrática, é de suma importância haver a concretização de direitos através de, por exemplo, leis que protejam à dignidade humana de seus cidadãos, em todos os âmbito. Os tribunais possuem papel fundamental neste processo, sempre produzindo precedentes para que direitos possam ser reivindicados e futuramente dispostos na forma legal, porém sempre atentos de que não possam se valer de seu poder para se sobressair ao Poder Legislativo, incumbindo-se de suas funções indiscriminadamente ou indo contrariamente às decisões tomadas de maneira desproporcional e tornando-se a própria contramobilização do direito.
Eduardo Cortinove Simões Pinto
1º ano - Direito Matutino
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