A partir da década de 90, as discussões acerca do fenômeno tratado como Judicialização passaram a tomar grande parte das pautas universitárias e sociais pelo Brasil. Para muitos, tal fenômeno de mobilização do Direito inaugura uma ditadura judiciária, enquanto que, para outros, constitui a essência do exercício reivindicativo democrático. Diante desse dilema acerca dessa mobilização recente e cada vez mais constante de discussões inseridas na esfera judiciária, diversas conquistas fundamentais podem e devem ser ressaltadas, entre elas, enquadra-se a criminalização da homofobia.
O processo o qual culminou na criminalização da homofobia foi resultado de variadas etapas prolongadas por anos até o alcance efetivo do STF. Atravessaram-se longas etapas consistentes na ADO 26 movida pela sociedade de advogados Vecchiatti em 2013; pedido de declaração de omissão do congresso por não votar projeto sobre a criminalização da homofobia enquadrada como crime de racismo- erguido pelo PPS em 2013; até o enquadramento da homofobia e transfobia como crimes de racismo pelo reconhecimento da omissão do Poder Legislativo em Junho deste ano de 2019. Diante de toda essa trajetória viajante entre competências legislativas omissivas e o Poder Judiciário sendo pressionado e provocado constantemente, é inevitável reconhecer a importância da atuação do STF sobre tal temática de grande relevância à garantia de direitos e proteção a integrantes da comunidade LGBTI+.
Nesse sentido, tendo em vista a interpretação de McCann acerca dos tribunais como atuantes catalisadores, a criminalização da homofobia, diante do contexto atual regido por intolerância, preconceitos, discriminação, configura realmente o aceleramento de conquistas sociais as quais têm a capacidade de difundir ainda mais temáticas reivindicativas de tantas minorias invisibilizadas pela própria dinâmica social órfã de atuações efetivas de outros poderes, como o Legislativo. A mobilização do Direito a fim do enquadramento ilegal de condutas preconceituosas apenas evidencia o quanto a atividade judicial em defesa de direitos fundamentais reivindicados é capaz de sustentar e aumentar o vigor democrático. Dessa maneira, como McCann bem aponta, diante da abstenção legislativa- ADO 26, a demanda, ao alcançar o STF, é um objeto legítimo politicamente justamente pelo seu caráter de enfoque em sujeitos sociais, os quais recorrem à chamada competência do poder constitutivo da autoridade judicial.
Cumpre observar também que, com base no voto proferido pela Ministra Cármen Lúcia, por exemplo, consistente na relevância da realidade prática, concreta caracterizada por números alarmantes de homicídios contra homossexuais e travestis motivados pelo ódio e preconceito, a criminalização é mais do que uma demanda urgente. Tal como a Ministra expressa em seu voto, a situação de vida de muitos indivíduos perseguidos e mortos por sua orientação sexual configura, verdadeiramente, uma barbárie. Por conseguinte, é insustentável que a orientação sexual de cada ser configure um pretexto para que este seja tratado de modo desigual e discriminatório tendo em vista que a Constituição Federal, composta por todos os preceitos fundamentais ao ser humano, não deve ser tratada meramente como um pedaço de papel. Quanto a essa mera objetificação pejorativa da Constituição, Madalena Duarte também se posiciona como defensora do fim da discrepância existente entre o direito legislado- quando este não é omitido- e o direito prático. Desse modo, inclusive em acordância com McCann, o Judiciário, legítimo guardião da Constituição, deve atuar em compromisso com a realidade concreta a qual move tantas demandas sociais alimentadoras do regime democrático e almejantes de uma verdadeira emancipação social através do Direito.
Por conseguinte, a atuação catalisadora do STF frente à demanda da ADO 26 de criminalização de ações atentatórias a direitos fundamentais de qualquer cidadão, como direito à liberdade, à autodeterminação, ao estabelecimento de união estável, integridade física e psíquica, dignidade, etc., representa, não somente a conquista de resguardo de direitos e a punição para quem infringi-los, mas também, lança reflexos sobre toda a dinâmica cultural e social da comunidade plural brasileira. A criminalização traz, logo, consigo um suporte concreto de segurança jurídica reivindicada de esferas populares, inferiores e, então, afirmadas e emanadas pela mais alta instância jurídica do país. Cabe, agora, um questionamento: tal importância atuante frente à omissão de outros poderes caracterizaria uma ditadura judiciária?
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