Dentre as premissas que tangem todos os
Estados que se apresentam como democráticos, ainda que não o sejam, está o bem geral
da população. Não há líder político que o negue. De pronto, sabe-se que a
retórica em prol do bem-estar de um povo é ardil comumente usado para o
desrespeito à lei. Assim, lembrando-se da Magna Carta de 1215, situação
histórica antológica, faz-se possível perceber que naquele momento em que a Coroa
inglesa tinha seus poderes delimitados, o que se arguia era que a
discricionariedade real não poderia contrapor-se às liberdades e direitos,
ainda que supostamente alegasse ter o rei “boas intenções”. Ora, é visível que,
não raras vezes, o desrespeito aos ditames legais se justifica retoricamente
dessa forma, aparentemente legitimando regimes de exceção, o fechamento de assembleias
legislativas, além de golpes de Estado. Eis, pois, o âmago da questão que se
propõe a analisar, a abrangência do papel do Poder Judiciário hodiernamente extrapolaria
os limites legais? Pois, se se segue a teoria kelseniana de que o Poder
Judiciário protege o ordenamento legal dos abusos dos outros poderes, quem
protege o ordenamento legal dos abusos do Poder Judiciário?
A ideia de legitimação que se imprime pela
anuência dos magistrados a certas situações torna-se no ver de muitos
incontestável. É nesse sentido que partem as análises acerca do ativismo
judicial, dado refletir-se: se a função primária dos juízes é que sejam passivos cumpridores da lei, é questionável o porquê de, atualmente, multiplicarem-se as
interpretações diversas de uma mesma lei e a mudança recorrente de posições
do Judiciário quanto a fatos definitivamente idênticos. O caso perpetrado pelo
STF- no julgamento da constitucionalidade da execução de pena a partir de
decisão de segunda instância- é notório exemplo. O entendimento da Corte Suprema
foi alterado mais de uma vez em menos de uma década e o julgamento dessa pauta ainda voltará a
ser discutido; ao que parece no senso comum, a letra da lei se descarta
conforme as opiniões pessoais dos julgadores. Chega a ser admirável o grau de
controvérsia gerado sobre o inciso LVII, do artigo 5º da Constituição Federal (“ninguém
será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória”). Um dos elementos que demonstra o caso do
ativismo judicial está no fato de que, dos ministros que julgaram a referida
questão, houve quem se utilizasse de argumentos metajurídicos para justificar
seus entendimentos de constitucionalidade.
Noções relativas à competência
de poderes são cruciais nessa discussão. E sob essa perspectiva Roberto Barroso
atribui legitimidade a situações em que o Judiciário não age de forma
simplesmente passiva: “Na medida em que
lhes cabe atribuir (os juízes) sentido a expressões vagas, fluidas e indeterminadas,
como dignidade da pessoa humana, direito de privacidade ou boa-fé objetiva,
tornam-se, em muitas situações, co-participantes do processo de criação do
Direito.” É factual e conclusivo que se considere tal hipótese, como disse o
próprio autor, como sendo uma “cura”, mas ele mesmo lembra “Em dose excessiva, há risco de se morrer da cura.”
Esse é o entendimento que se acaba por concluir,
tendo em vista a presente ordem jurídica prestigiadora do Judiciário como
protetor da Constituição, fato citado também por Barroso se lembrando do combate
teórico de Hans Kelsen e Carl Schmitt. Uma delimitação maior de tais noções de
papéis e competências dentro do Estado de Direito se dá pelas noções de
Ingeborg Maus. A autora ao criticar o Tribunal Constitucional Alemão ressalta
entendimentos deste tribunal que chegou a se manifestar, invocando para seus
julgamentos, princípios suprapositivos transcendentes à constituição. Aí está,
pois, o percalço do ativismo, a lei poderia não mais ser pressuposto basilar
nas ações jurisdicionais. Por ora, as conclusões a que se chega tendem a corroborar
que se as demandas pela judicialização da vida crescem, ainda há lacunas do Direito
não preenchidas ou, se preenchidas estão, falta-lhes cumprimento.
Gustavo de Oliveira- 1º ano noturno
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