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sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Luta pelo direito de existir

Em março de 2013, na cidade de Jales (SP), Fernando Antônio de Lima, Juiz de Direito, entrou com uma “ação de obrigação de fazer” à Fazenda Pública do Estado de São Paulo sobre uma tutela emancipada de um transexual que, por estar de acordo com os tramites legais, exigia a cirurgia de mudança de sexo e a alteração de seu registro civil, com um novo nome e modificação do sexo masculino para o sexo feminino. Nesse caso, ao se trabalhar os direitos dos transexuais, temos a luta por direitos pelas minorias no campo jurídico e social.
Transexualismo, ao contrário do que a sociedade padronizada tenta impor, é um modo de ser e de viver, que não fere direitos alheios, e possui direitos garantidos constitucionalmente. O direito à identidade, inclusive a do transexual, é um direito fundamental implícito, uma vez que deriva de outros fundamentais já positivados, como liberdade, igualdade, privacidade, intimidade e dignidade da pessoa humana. Assim, o Estado possui uma série de tarefas para garantir a plenitude e proteção desses direitos. É seu dever fornecer o equipamento de saúde para a realização da cirurgia de mudança de sexo e a possibilidade de alteração no registro civil do nome e da identidade sexual (os desejos da parte autora do caso citado). É necessário também tratar da segurança desses indivíduos na sociedade, pois o meio social os bombardeia o tempo todo com preconceitos e exclusão, exigindo constantemente o perfil padrão heterossexual, o que resulta em verdadeiros traumas e danos psicológicos.
No caso trabalhado, houve o rompimento do compromisso da ação estatal com a parte autora, pois o sistema público não forneceu os recursos necessários para a cirurgia, como previamente combinado durante seu tratamento. O porquê dessa mudança é muito simples: a falta de comprometimento do Estado com os direitos e desejos da minoria, que ao fugir dos padrões de nossa sociedade tecnológica, que busca impor repetições convenientes ao sistema, é constantemente sufocada. Segundo a perspectiva de Max Weber, isso ocorre porque o direito na modernidade, regido pela racionalização material, é muitas vezes instrumento da classe dominante, que conseguiu transformar o ético e juridicamente formal em utilitário e tecnicamente material.
Em ECONOMIA E SOCIEDADE - Fundamentos da sociologia compreensiva, o pensador explica a evolução do direito na modernidade a partir de duas racionalidades: a formal e a material. Acontece que, a racionalidade formal do direito acaba sendo uma razão ideológica abstrata do constituinte, que deveria buscar o universal e melhor para todos, mas não consegue se livrar das amarras da racionalidade material, caracterizada por seus interesses e valores éticos. Assim sendo, a forma estabelecida é produto dos grupos dominantes, movidos pela sua racionalidade material, e a sua alteração decorre do conflito dessa com outras racionalidades materiais, as das minorias. Cabe ao magistrado decidir o resultado dessa dialética de racionalidades: conservação, expansão ou regressão da forma vigente. Weber ressalta que as ideologias profissionais internas dos práticos do direito são essenciais nesses casos, pois a limitação da atuação dos práticos juristas modernos à interpretação de parágrafos e contratos é vista como subalterna, é necessária a criatividade do juiz em atividades jurídicas, nem que seja somente onde falham as leis. A expansão é o resultado mais importante, porque é ela que vai criar novos direitos fundamentais, derivados daqueles já estabelecidos, que atendem os desejos das minorias.

Associando essas ideias ao caso, temos nas mãos da parte requerida, Fazenda Pública do Estado de São Paulo, o procedimento do caso. Mas, não cabe ao Estado optar, nesse caso, pela conservação da forma de nossa sociedade tecnológica padronizada, e negar os recursos requeridos pela parte autora. Tal ato seria uma omissão constitucional de direitos que representam muito mais do que a vontade individual dela de se realizar e viver plenamente, eles representam a afirmação da existência de um grupo, historicamente rotulado como produto de uma patologia, como cidadãos possuidores de direitos como qualquer outro, que merecem uma proteção especial aos constrangimentos que sofrem constantemente (nenhum documento deve constar que alterações foram feitas por ação judicial).

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