Em março de 2013, na cidade de Jales
(SP), Fernando Antônio de Lima, Juiz de Direito, entrou com uma “ação de
obrigação de fazer” à Fazenda Pública do Estado de São Paulo sobre uma tutela
emancipada de um transexual que, por estar de acordo com os tramites legais,
exigia a cirurgia de mudança de sexo e a alteração de seu registro civil, com
um novo nome e modificação do sexo masculino para o sexo feminino. Nesse caso, ao
se trabalhar os direitos dos transexuais, temos a luta por direitos pelas
minorias no campo jurídico e social.
Transexualismo, ao contrário do que
a sociedade padronizada tenta impor, é um modo de ser e de viver, que não fere direitos
alheios, e possui direitos garantidos constitucionalmente. O direito à
identidade, inclusive a do transexual, é um direito fundamental implícito, uma
vez que deriva de outros fundamentais já positivados, como liberdade,
igualdade, privacidade, intimidade e dignidade da pessoa humana. Assim, o
Estado possui uma série de tarefas para garantir a plenitude e proteção desses
direitos. É seu dever fornecer o equipamento de saúde para a realização da cirurgia
de mudança de sexo e a possibilidade de alteração no registro civil do nome e
da identidade sexual (os desejos da parte autora do caso citado). É necessário
também tratar da segurança desses indivíduos na sociedade, pois o meio social
os bombardeia o tempo todo com preconceitos e exclusão, exigindo constantemente
o perfil padrão heterossexual, o que resulta em verdadeiros traumas e danos
psicológicos.
No caso trabalhado, houve o
rompimento do compromisso da ação estatal com a parte autora, pois o sistema
público não forneceu os recursos necessários para a cirurgia, como previamente
combinado durante seu tratamento. O porquê dessa mudança é muito simples: a
falta de comprometimento do Estado com os direitos e desejos da minoria, que ao
fugir dos padrões de nossa sociedade tecnológica, que busca impor repetições
convenientes ao sistema, é constantemente sufocada. Segundo a perspectiva de
Max Weber, isso ocorre porque o direito na modernidade, regido pela
racionalização material, é muitas vezes instrumento da classe dominante, que
conseguiu transformar o ético e juridicamente formal em utilitário e
tecnicamente material.
Em ECONOMIA E SOCIEDADE - Fundamentos
da sociologia compreensiva, o pensador explica a evolução do direito na
modernidade a partir de duas racionalidades: a formal e a material. Acontece que,
a racionalidade formal do direito acaba sendo uma razão ideológica abstrata do constituinte,
que deveria buscar o universal e melhor para todos, mas não consegue se livrar
das amarras da racionalidade material, caracterizada por seus interesses e
valores éticos. Assim sendo, a forma estabelecida é produto dos grupos
dominantes, movidos pela sua racionalidade material, e a sua alteração decorre
do conflito dessa com outras racionalidades materiais, as das minorias. Cabe ao
magistrado decidir o resultado dessa dialética de racionalidades: conservação,
expansão ou regressão da forma vigente. Weber ressalta que as ideologias
profissionais internas dos práticos do direito são essenciais nesses casos,
pois a limitação da atuação dos práticos juristas modernos à interpretação de
parágrafos e contratos é vista como subalterna, é necessária a criatividade do
juiz em atividades jurídicas, nem que seja somente onde falham as leis. A
expansão é o resultado mais importante, porque é ela que vai criar novos
direitos fundamentais, derivados daqueles já estabelecidos, que atendem os
desejos das minorias.
Associando essas ideias ao caso, temos
nas mãos da parte requerida, Fazenda Pública do Estado de São Paulo, o
procedimento do caso. Mas, não cabe ao Estado optar, nesse caso, pela
conservação da forma de nossa sociedade tecnológica padronizada, e negar os
recursos requeridos pela parte autora. Tal ato seria uma omissão constitucional
de direitos que representam muito mais do que a vontade individual dela de se
realizar e viver plenamente, eles representam a afirmação da existência de um
grupo, historicamente rotulado como produto de uma patologia, como cidadãos
possuidores de direitos como qualquer outro, que merecem uma proteção especial
aos constrangimentos que sofrem constantemente (nenhum documento deve constar
que alterações foram feitas por ação judicial).
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