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sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O Direito E O Império Da Liberdade Realizada

"A crítica da filosofia alemã do direito e do Estado, que teve a mais lógica, profunda e completa expressão em Hegel, surge ao mesmo tempo como a análise crítica do Estado moderno e da realidade a ele associada e como a negação definitiva de todas as anteriores formas de consciência na jurisprudência e na política alemã, cuja expressão mais distinta e mais geral, elevada a ciência, é precisamente a filosofia especulativa do direito. Só na Alemanha era possível a filosofia especulativa do direito, este pensamento extravagante e abstracto acerca do Estado moderno, cuja realidade permanece no além, mesmo se este além fica apenas no outro lado do Reno; o representante alemão do Estado moderno, pelo contrário, que não toma em linha de conta o homem real, só foi possível porque e na medida em que o próprio Estado moderno abstrai do homem real ou unicamente satisfaz o homem total de maneira ilusória. Em política, os Alemães pensaram o que os outros povos fizeram. A Alemanha foi a sua consciência teórica. A abstração e a presunção do seu pensamento ia a passo com o caráter unilateral e atrofiado da sua realidade. Se, pois, o status quo do sistema político alemão exprime a consumação do ancien régime, o cumprimento do espinho na carne do Estado moderno, o status quo da ciência política alemã exprime a imperfeição do Estado moderno em si, a degenerescência da sua carne. Já como adversário decidido da anterior forma de consciência política alemã, a crítica da filosofia especulativa do direito se não perde em si mesma, mas mergulha em tarefas que só podem ser resolvidas por um único meio: a práxis".
Georg Wilhelm Friedrich Hegel, em obra intitulada "Grundlinien Der Philosophie Des Rechts" ("Princípios Da Filosofia Do Direito"), vislumbra o Direito como o princípio da liberdade das sociedades ou, de acordo com a expressão empregada por ele, como "o império da liberdade realizada" e "a liberdade em geral". O referido pensamento harmoniza-se com o conceito, apregoado por Kant, de negação parcial do livre-arbíbrio individual em prol do livre-arbíbrio geral; ou seja, a garantia do interesse geral em detrimento da busca desenfreada dos interesses particulares. Esta negação se dá por intermédio da norma geral que, na filosofia hegeliana, desempenha função central na “liberdade universal”. Assim, para Hegel, nenhum homem pode fazer puramente o que deseja e o equilíbrio entre a vontade individual e a vontade geral encontra-se na norma jurídica. O Direito alicerçar-se-ia na “vontade livre”. Outrossim, endossa o filósofo germânico que, a partir de um maior aprimoramento do Direito nas sociedades modernas, haverá, com ele, uma ampliação da liberdade geral, contínua e progressivamente. Acredita o autor que tal liberdade vincula-se à universalização do Direito, a qual expressa o racionalismo e impede a dominação de grupos ou indivíduos sobre a coletividade. Por vezes, o pensamento hegeliano se assemelha ás teses weberianas. A liberdade, portanto, é desparticularizada: abdica-se à proporcionalidade entre estementos e direitos. Destarte, a felicidade da sociedade moderna emana do Direito. Com efeito, escreveu Hegel: “O domínio do direito é o espírito em geral; aí, a sua base própria, o seu ponto de partida está na vontade livre, de tal modo que a liberdade constitui a sua substância e o seu destino e que o sistema do direito é o império da liberdade realizada, o mundo do espírito produzido como uma segunda natureza a partir de si mesmo. [...] O fato de uma existência em geral ser a existência da vontade livre constitui o direito. O direito é, pois, a liberdade em geral como idéia. [...] Só porque é a existência do conceito absoluto da liberdade consciente de si, só por isso o Direito é algo de sagrado. Mas a diversidade das formas do Direito (e também do Dever) tem origem nas diferentes fases que há no desenvolvimento do conceito de liberdade. [...] É a liberdade universal porque nela toda limitação e singularidade individual ficam suprimidas”. Karl Marx, todavia, possui posicionamento adversativo ao de Hegel. O pensador socialista lança mão de uma crítica mordaz à filosofia do Direito que contempla este último como a expressão do “império da liberdade realizada”. Para Marx, esta filosofia é absolutamente especulativa e abstrata, “cuja realidade permanece no além, mesmo se este além fica apenas no outro lado do Reno”. A filosofia alemã centrou-se na ideia de “homem total” que, segundo Marx, configura-se em pura ilusão, abandonando, desta forma o “homem real” e perdendo sua aplicabilidade. A crítica do aludido autor também incide sobre a inadequação entre a filosofia idealista e a realidade concreta e material da sociedade da Alemanha da primeira metade do século XIX. Assim, a filosofia especulatva alemã “mergulha em tarefas que só podem ser resolvidas por um único meio: a práxis”. Dirigindo sua crítica ao pensamento do filósofo que muito o influenciou, Marx recorre a uma metáfora, sem citar diretamente, na maior parte das vezes, a Hegel. Trata-se da crítica marxista à religiosidade humana. Ao referir-se à religiosidade, Marx também alude à filosofia hegeliana. Por conseguinte, segundo Marx, a religiosidade seria o ópio do povo e a filosofia especulativa, o ópio dos intelectuais. Destarte, Marx não vê o Direito como a liberdade geral da sociedade, mas como um instrumento de classe, nomeadamente, a classe burguesa, na sociedade capitalista. Para ele, na sociedade real, formada pelo “homem real”, o direito não garante a liberdade de todos; garante antes a opressão da classe dominante sobre a classe submetida. O Direito universalizante seria, contrariamente ao proposto por Hegel, responsável por uma maior particularização da liberdade. À medida em que se particularizasse, a liberdade constituiria privilégio da classe dominantes. Faz-se igualmente recorrente no marxismo a ideia de associação entre o Direito (especialmente o Direito Privado) e a tutela da propriedade privada. De fato, escreveu Marx: “O direito privado desenvolve-se, conjuntamente com a propriedade privada, como resultado da dissolução da comunidade natural. Entre os Romanos, o desenvolvimento da sociedade privada e do direito privado não teve qualquer consequência industrial ou comercial pelo fato de o seu modo de produção não ter se modificado. Nos povos modernos, onde a comunidade feudal foi dissolvida pela indústria e o comércio, o nascimento da propriedade e do direito privado marcou o início de uma nova fase susceptível de um desenvolvimento ulterior. Amalfi, a primeira cidade da Idade Média a ter um comércio marítimo considerável, foi também a primeira a criar um direito marítimo. E em Itália, em primeiro lugar, tal como mais tarde noutros países, quando o comércio e a indústria conduziram a propriedade privada a um desenvolvimento considerável, retomou-se imediatamente o direito privado dos Romanos e elevou-se este à categoria de autoridade. Mais tarde, quando a burguesia adquiriu poder suficiente para que os príncipes se preocupassem com os seus interesses e utilizassem essa burguesia como instrumento para derrubar a classe feudal, começou em todos os países – como em França, no século XVI o verdadeiro desenvolvimento do direito, que em todos eles, à excepção da Inglaterra, tomou como base o direito romano. Mesmo em Inglaterra foram introduzidos, para aperfeiçoar o direito privado, alguns princípios do direito romano (particularmente no que se refere à propriedade mobilária). (Não esqueçamos que o direito, tal como a religião, não possui uma história própria). O direito privado exprime as relações de propriedade existentes como o resultado de uma vontade geral. O próprio jus utendi et abutendi exprime, por um lado, o fato de a propriedade privada se tornar completamente independente da comunidade e, por outro, a ilusão de que essa propriedade privada repousa sobre a simples vontade privada, sobre a livre disposição das coisas. Na prática, o abutti tem limitações econômicas bem determinadas para o proprietário privado se este não quiser que a sua propriedade, e com ela o seu jus abutendi, passe para outras mãos; pois, no fim de contas, a coisa, nada é, considerada unicamente nas suas relações com a sua vontade, e só se transforma numa coisa, numa propriedade real (numa relação, naquilo a que os filósofos chamam uma ideia), através do comércio e independentemente do direito. Esta ilusão jurídica, que reduz o direito à simples vontade, conduz fatalmente, na sequência do desenvolvimento das relações de propriedade, à possibilidade de qualquer pessoa ostentar um título jurídico de propriedade sem efetivamente possuir essa propriedade. Suponhamos, por exemplo, que um terreno deixa de ser rentável devido à concorrência – o seu proprietário conservará sem dúvida alguma o título jurídico da propriedade, assim como o seu jus utendi et abutendi. Mas nada poderá fazer com ele nem nada possuirá de fato se não dispuser de capital suficiente para cultivar o seu terreno. É esta mesma ilusão que explica o fato de, para os juristas, assim como para todos os códigos jurídicos, as relações entre os indivíduos celebrada por contratos, por exemplo, surgirem como algo fortuito e de, a seu ver, as relações deste tipo [poderem] ou não ser aceites na medida em que o seu conteúdo reposa inteiramente sobre a vontade arbitrária e individual das partes contratantes. De cada vez que o desenvolvimento da indústria e do comércio criou novas formas de troca, por exemplo companhias de seguros e outras, o direito viu-se regularmente obrigado a integrá-las nos modos de aquisição da propriedade”.

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