Muito
mais do que uma questão de qualidade particular, ou seja, referente
a um segmento específico da sociedade, a discussão de gênero deve
abarcar a juridicidade e a política, daí ser impreterível questão
social, que envolve todos os indivíduos vinculados a um Estado. Como
parte legislativa dirigida aos interesses da comunidade LGBT, temos
uma série de propostas cabíveis em trâmite, que podem – caso
promulgadas –, por vias legais, facilitar o acesso e reconhecimento
do grupo como queiram seus indivíduos – seja em união
homoafetiva, adoção para casais do mesmo sexo e, mais discutido
neste texto, a cirurgia para mudança de sexo.
Uma
jovem – biologicamente pertencente ao sexo masculino, porém social
e psicologicamente colocada como mulher – pleiteia, então, uma
cirurgia de mudança de sexo, custeada pelo Estado em convênio com
o SUS, e requere a ação em juízo. Quando o Juiz de uma Vara de
Jales, Fernando Antônio de Lima, afirma em texto a segurança do
cumprimento da ação com base no arcabouço legal em matéria
Constitucional – além de menção às declarações de direito de
que o Brasil é signatário –, reflete-se um caráter urgente de
uma emancipação dessa questão quanto às formalidades legais, a
fim de evitar tamanha burocratização e lentidão judicial por mera
razão de não previsão em norma desse embargo.
Isso
ocorre porque, formalmente, não há positivado texto que regule as
decisões em específico, o que torna o fim do processo tendencioso,
ou seja, está nas mãos do juiz encarregado um posicionamento
jurisprudencial ou decisão diferente. No caso acima relatado, o
magistrado se colocou, como também o faz o Tribunal de Justiça de
São Paulo e o STJ, favorável ao requerimento da parte autora,
deferindo-lhe tanto a cirurgia, quanto a alteração sigilosa de
registro civil de nome e gênero. Doutra forma, poderia ser o
resultado não tão favorável, havendo uma cisão entre os direitos
fundamentais da Constituição e sua efetivação pelo Estado – o
que, segundo o mesmo juiz, seria “omissão inconstitucional” –,
posto que, embora não sejam os direitos de gênero previstos
especificamente, estão derivados dos direitos de liberdade e
identidade, fundamentais.
Em
Weber, a discussão entre Direito Formal e Material ganha destaque.
Relacionam-se à racionalização jurídica, visto que o Direito é
fruto de norma, afastada de valor ou qualidade, devendo somente
apontar como verdade ou não um fato apresentado, e disso haver o
controle e coerção imaginadas pela Lei. Ambas as classificações
– formal e material – estão dispostas em dialética frequente,
sempre uma lei positivada se chocando com o valor divergente que
enxerga certa parcela não contemplada, daí recriando a norma e
formalizando-a. O que acontece é, na verdade, uma defasagem
significativa entre o formal e o material, entendendo-se que entre o
texto normativo e sua aplicação pura exista a pluralidade social,
muitas vezes esquecida pela classe que formula o Direito vigente.
Tal
ideia se aplica ao caso acima no tocante à necessidade de se
extender um Direito formal à materialidade – ou seja, o direito
constitucional será ampliado e lido de forma a contemplar uma
parcela da sociedade cujos direitos não estão dispostos claramente
em lei. “O imbróglio jurídico sobre as identidades 'legal' e
'social' das pessoas travestis, transexuais e transgêneros provoca
situações absurdas que mostram o tamanho do furo que ainda existe
na legislação brasileira.” (Retirado do Projeto de Lei “João W
Nery – De Identidade de Gênero” dos Deps. Jean Wyllys e Érika
Kokay).
Alguém
que se encontra na dita situação, de inconformidade com o próprio
corpo, pode, numa exceção do Código Civil, dispor-se à cirurgia
com aprovação médica. Dessa maneira, após análises psiquiátricas
e psicológicas, e formulação de laudos técnicos que aprovem a
condição, realiza-se a ação. Até que isso ocorra, o indivíduo
sofre por tempos os efeitos negativos da situação, sejam os
preconceitos movidos pela sociedade, seja sua própria identidade –
ocasionando inclusive distúrbios psíquicos que, levados à
gravidade, podem gerar quadros suicidas. Daí a necessidade de
viabilizar o processo, para que não haja mais a possibilidade ou
impossibilidade de realização da cirurgia, mas uma efetivação do
que garante o próprio Estado. Cabe, também, uma quebra no estigma
carregado pela comunidade LGBT em geral, muitas vezes vítima de
discursos de ódio e crimes vinculados à homofobia, daí a
corroboração de uma postura positivada do Estado em afirmar seus
direitos, como o faz com os cis-gênero.
Bibliografia:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1059446&filename=PL+5002/2013
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