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sábado, 12 de maio de 2012

Seres Humanos, Lobos e Sociologia

Na Índia, onde os casos de meninos-lobo foram relativamente numerosos, descobriram-se em 1920, duas crianças, Amala e Kamala, vivendo no meio de uma família de lobos. A primeira tinha um ano e meio e veio a morrer um ano mais tarde. Kamala, de oito anos de idade, viveu até 1929. Não tinham nada de humano e seu comportamento era exatamente semelhante àquele de seus irmãos lobos.
Elas caminhavam de quatro, apoiando-se sobre os joelhos e cotovelos para os pequenos trajetos e sobre as mãos e os pés para os trajetos longos e rápidos.
Eram incapazes de permanecer em pé. Só se alimentavam de carne crua ou podre. Comiam e bebiam como os animais, lançando a cabeça para a frente e lambendo os líquidos. Na instituição onde foram recolhidas, passavam o dia acabrunhadas e prostradas numa sombra. Eram ativas e ruidosas durante a noite, procurando fugir e uivando como lobos. Nunca choravam ou riam.
Kamala viveu oito anos na instituição que a acolheu, humanizando-se lentamente. Necessitou de seis anos para aprender a andar e, pouco antes de morrer, tinha um vocabulário de apenas cinquenta palavras. Atitudes afetivas foram aparecendo aos poucos. Chorou pela primeira vez por ocasião da morte de Amala e se apegou lentamente às pessoas que cuidaram dela bem como às outra com as quais conviveu. Sua inteligência permitiu-lhe comunicar-se por gestos, inicialmente, e depois por palavras de um vocabulário rudimentar, aprendendo a executar ordens simples.

LEYMOND, B. Le development social de l’enfant et del’adolescent. Bruxelles: Dessart, 1965. p 12-14.

O comportamento das meninas Amala e Kamala pode ser, de acordo com o pensamento de Durkheim, classificado como fato social, visto que é ocasionado por influências exteriores aos indivíduos e está presente em toda a sociedade (no caso, sociedade de lobos). O sociólogo defende que a explicação dos fatos sociais deve sempre se valer da investigação do meio social interno, e refuta a ideia de estágios de desenvolvimento de uma sociedade.
Diferentes culturas causam estranhamento entre si, pois todas tomam seus hábitos por padrão para comparação. Assim, atitudes aparentemente irracionais ou objetos rudimentares são considerados elementos de uma sociedade atrasada. No entanto, é realmente correto atribuí-las o status de menos desenvolvidas?
Novamente o comportamento das meninas-lobo serve de confirmação ao pensamento sociológico de Durkheim. Apesar de serem humanas, essas crianças algum dia adquiririam hábitos humanos se nunca tivessem sido afastadas do convívio com os lobos? Logicamente não. Mesmo após o contato com o homem, Kamala teve dificuldades para se adaptar à cultura desenvolvida por sua própria espécie. O mesmo se aplica às demais sociedades, pois elas percorrem etapas com base em seus próprios costumes, regras e crenças, e não necessariamente passaram para outro "estágio" em toda a sua história. Portanto, a convergência evolutiva dos povos não passa de uma farsa.
Resta então uma reflexão acerca da questão da intervenção. O fato de as meninas terem sido inseridas em um ambiente estranho teve um impacto negativo em suas vidas, pois não conseguiram se adequar às instituições sociais desconhecidas, continuando a desempenhar as funções sociais da sociedade de lobos. Do mesmo modo que a intervenção foi danosa no caso anterior, também o são aquelas feitas por países considerados mais desenvolvidos aos menos desenvolvidos. Foi atravessada a linha tênue entre o justificável e o abusivo.

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