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sábado, 13 de agosto de 2011

TRISTES TRÓPICOS

Quebrando o Silêncio (1/3):





Quebrando o Silêncio (2/3):





Quebrando o Silêncio (3/3):







No Brasil, em aldeias indígenas remotas, o infanticídio é praticado com frequência e com a tolerância de antropólogos e da FUNAI. Tal pratica já foi abolida, através dos séculos, na maioria das etnias que a praticava, porém ainda restam em torno de vinte etnias, entre as mais de duzentas presentes no território nacional, que preservam esse costume. As crianças condenadas à morte são geralmente os gêmeos, os filhos de mães solteiras, os portadores de deficiência física e mental e de outras doenças não identificadas pela tribo. A omissão da FUNAI em relação à prática desse costume está calcada no argumento de que o infanticídio é parte integrante da cultura indígena e, como tal, deve ser preservado.

Essa questão, que se mostra extremamente complexa, vem sendo discutida por variados órgãos, como entidades religiosas, ONGs, instituições governamentais e pelos poderes judiciário e legislativo. Contudo devemos ter a ciência de que tal imbróglio deve ser analisado sob diversos prismas, assim vamos observar esse problema sob os aspectos jurídicos, antropológicos e sociológicos, além da perspectiva dos Direitos Humanos sobre o tema.

A Constituição Federal de 1988, apesar de resguardar os aspectos culturais dos povos indígenas, coloca como sua égide fundamental o direito à vida e à dignidade da pessoa humana. Em seu art. 5.º apregoa que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, assim a prática do infanticídio constitui patente violação ao direito à vida das crianças indígenas. Esse direito para o constituinte, segundo José Afonso da Silva, “consiste no direito de estar vivo, de lutar pelo viver, de defender a própria vida, de permanecer vivo. É o direito de não ter interrompido o processo vital senão pela morte espontânea e inevitável. Existir é o movimento espontâneo contrário ao estado de morte. Porque se assegura o direito à vida é que a legislação penal pune todas as formas de interrupção violenta do processo vital.” Tal posição vem sendo confirmada pela jurisprudência do STF, que considera que toda pessoa é titular de direitos e deveres a partir da sua concepção e do desligamento do ventre materno, quando respira.

As comunidades indígenas estão, assim como todos os cidadãos brasileiros, sob a jurisdição da Constituição Federal como versa o Art. 20, inciso XI, da CF que estabelece como bens da união as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios; o Art. 22, inciso XIV, da CF que da competência à união para legislar sobre as populações indígenas; o Art. 109. da CF que dá competência aos juízes federais para processar e julgar a disputa sobre direitos indígenas; e o Art. 129. da CF que estabelece como uma das funções institucionais do Ministério Público defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas. É inegável, também, a tentativa de defesa, por parte do Estado, dos direitos culturais indígenas como expresso nos Arts. 215, 216 e 231 da CF, porém deve-se observar uma ressalva em relação aos costumes e tradições que levam à morte dos membros da tribo como prevê o próprio Estatuto do Índio: “Art. 57. Será tolerada a aplicação, pelos grupos tribais, de acordo com as instituições próprias, de sanções penais ou disciplinares contra os seus membros, desde que não revistam caráter cruel ou infamante, proibida em qualquer caso a pena de morte.” Portanto, perante a legislação brasileira a prática do infanticídio por comunidades indígenas é inadmissível e, assim, a justiça não pode silenciar-se e permitir a prática de ato tão infame.

Ao perceber a violação da lei por parte das tribos que praticam esses atos, resta-nos justificar a legitimidade dessa lei e a obrigatoriedade de sua aplicação. O direito, segundo os seus filósofos, emana do Estado, da sociedade, da própria natureza humana, das classes dominantes ou de uma conjunção entre mais de um desses fatores. De qualquer forma, em uma democracia, como a nossa, que deve representar a vontade popular, o Estado cria um aparato normativo, constituindo o direito vigente, subjugando os indivíduos e os coagindo a agir em conformidade com as suas fontes, cuja principal é a lei. O que da legitimidade a um sistema como esse é a anuência da população nacional que, através dos seus representantes, vê as suas vontades concretizadas e se identifica com as regras impostas, mesmo que veja determinadas falhas no sistema ela corrobora com ele, pois tem as suas vontades e necessidades atendidas, ao menos em parte.

A lei é subdividida em leis constitucionais, leis completares, leis ordinárias, etc. O direito à vida é garantido pela nossa Constituição Federal, portanto não pode ser revogado por leis completares, como o Estatuto do Índio, pois este se encontra hierarquicamente abaixo da Constituição, vide a Pirâmide Kelseniana, logo como podemos perceber no invocado Art.57. desse mesmo Estatuto, o direito constitucional à vida está garantido, e se, ao contrário, oferecesse perigo à vida dos Índios, seria tido como inconstitucional e, portanto, seria revogado, perdendo a sua eficácia.

Cabe ao operador do direito, assim, fazer cumprir as leis sob pena de estar indo contra a vontade popular e, portanto, ferir os princípios democráticos, além disso, pode-se dizer também que o operador do direito deve interpretar a lei, ir além da lei, mas jamais contra a lei. Os atos de interpretação da lei devem ser feito em conformidade com os ditames da própria lei, para não se correr o risco de criação normativa individual, que só deve ser realizada em casos de lacunas legais, de acordo com os ditames das próprias normas jurídicas em vigor. Conforme a hermenêutica jurídica a interpretação autêntica e a interpretação jurisprudencial, no caso de súmula vinculante, possuem força de lei, portanto não nos restam dúvidas que a vida começa, para efeitos legais, após o nascimento, ou seja, após o desligamento do ventre materno, pois essa interpretação já foi confirmada diversas vezes pelo legislador, pelo STF e pela doutrina. Portanto, a lei considera toda criança portadora desse direito constitucional supremo, mesmo que os seus genitores a considere indigna de sobreviver ou não a considere como ente dotado de vida humana.

Já analisados os aspectos jurídicos da questão, devemos pensar sobre o assunto utilizando a ótica sociologia e antropologia. Está claro para nós que as práticas culturais indígenas, de uma maneira geral, devem ser preservadas, sem a imposição de nossa cultura sobre a deles, pois constituem uma tradição singular e que deve ser respeitada tendo em vista o princípio de “autodeterminação dos povos”. Analisaremos, pois, a tradição cultural do infanticídio para as tribos indígenas. A morte das crianças se dá por uma série de motivos, dentre os quais, podemos citar a crença que gêmeos trazem má sorte para a tribo, a incapacidade de crianças deficientes em cooperar para a manutenção e para a sobrevivência da tribo, assim como para o seu próprio sustento, além da virtual impossibilidade de mães solteiras criarem os seus filhos. Essas crenças, porém, não são tidas como verdadeiras por todos os membros dessas tribos e, nesse caso, é dever novamente do Estado de, ao menos, socorrer aqueles que discordam desse ato e proteger da morte os seus filhos, irmãos, netos, sobrinhos, etc.

Assim, a sociedade civil possui duas alternativas, manter a proibição do infanticídio indígena e exigir o cumprimento dos preceitos constitucionais e legais ou então alterar a lei e permitir tais atos, em nome da manutenção da cultura indígena. Caso a sociedade opte pela segunda opção, estaremos ferindo os Direitos Humanos, que estão acima de qualquer lei ou constituição. Mesmo que se argumente que os Direitos Humanos são preceitos “ocidentais” e “eurocêntricos” não podemos ficar passiveis ao sacrifício de seres humanos, pois estaríamos cometendo uma barbaridade ainda maior do que a dos indígenas. Nós, como representantes de uma sociedade organizada e detentores de um saber científico acumulados durante séculos, sabemos que o valor da vida humana é inestimável, e mesmo que se argumente que o direito, a sociologia e a filosofia são ciências humanas, e não exatas, e por isso relativas, as ciências naturais, muito mais que as humanas, já provaram, através de postulados universalmente válidos, a igualdade de todos os seres humanos e a possibilidade da integração de todos à sociedade, mesmo a dos deficientes, que em caso de penúria, deveriam ser ajudados pelo Estado, de maneira que possam conquistar uma vida digna. Além disso, ao assistir passivamente a atos tão bárbaros estaríamos nos despindo de nossa humanidade e praticando nós mesmo um crime ao não defender vidas humanas em perigo. Assim, estaríamos falsamente nos incumbindo de proteger a cultura indígena e nos transfigurando em paladinos protetores das minorias, nos calcando em toda uma pseudo-intelectualidade, típica dos atuais “jantares inteligentes”, onde muito se discute e pouco se faz em frente aos problemas da sociedade, e, portanto, estaríamos legitimando um verdadeiro genocídio. Logo, aqueles que defendem esses atos estão indo contra o bem mais precioso que existe, e que está acima de qualquer tradição cultural, que é a vida humana.

Portanto, o poder judiciário e a sociedade não podem mais se manter alheios a esse grave problema que vem ocorrendo debaixo de nossos narizes há muito tempo, sob pena de ver o sacrifício anual de centenas de vidas inocentes. O Estado tem o dever e a obrigação de proteger essas crianças que poderiam sobreviver e levar uma vida normal, contanto que tivessem as suas necessidades supridas, já que as tribos são incapazes de suprir tais necessidades e, assim, fazer cumprir a lei. Além disso, cabe a nós conscientizar os povos indígenas que essas crianças são iguais as demais, e, com isso, proteger as suas vidas, bem mais precioso do que qualquer tradição ou cultura.

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