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quinta-feira, 17 de novembro de 2022

ADPF 186: a busca por direitos em um país racista

O debate acerca da política de cotas étnico-raciais esteve em pauta já há alguns anos no cenário político brasileiro, permeando discussões sobre, principalmente, as igualdades formal e material, tal como as políticas de inclusão do período pós abolição da escravidão no Brasil. É inegável que a integração dos ex-escravizados na sociedade brasileira foi marcada pela carência de medidas efetivas e o abandono do governo para com essa população. Essa realidade contribuiu para o crescimento e a legitimação do racismo no país - em especial do racismo estrutural - o que proporcionou uma barreira ao povo preto para o acesso à cidadania, à política e, principalmente, a educação. 

Nesse contexto, tem-se a ADPF n°186, ajuizada pelo Partido Democratas (DEM) sob o pretexto de questionar a constitucionalidade da política de cotas étnico-raciais na Universidade de Brasília (UnB). Essa ADPF não aderiu à perspectiva do partido e julgou constitucional essa política. Contudo, mesmo após essa decisão, esse tema é muito recorrente em debates, no qual a oposição desenvolve argumentos baseados em visões meritocráticas e cegas à desigualdade material que assombra esse grupo. 

Nessa perspectiva, observa-se que os negros são, constantemente, vítimas da “violência simbólica”, conceito de Bourdieu que declara que a violência não é exercida apenas fisicamente, mas também moral e psicologicamente. Essa situação deve-se a um rígido habitus, no qual a classe dominante - composta pela população branca - enuncia um discurso extremamente racista que é reproduzido ao longo das gerações e que funciona como um mecanismo que assegura a alta posição dos brancos na hierarquia social por eles construída. Portanto, é mister que se recorra a uma historicização da norma, este também um conceito de Bourdieu, e que apresenta a importância de uma adaptação da norma às demandas sociais contemporâneas e às necessidades da população - principalmente quanto à garantia de direitos fundamentais. 

Em seguida, é possível evidenciar o pensamento de Garapon quanto ao papel do Poder Judiciário na decisão desse caso. Por mais que se pondere acerca da representatividade e capacidade dos membros desse poder para tomar decisões de cunho social e ligadas aos direitos de grupos minoritários, a negligência dos demais órgãos e poderes políticos e a omissão quanto ao debate refletem a essencialidade dessa ação do STF. Também a respeito da postura do Poder Judiciário, se destaca o pensamento do autor McCann, visto que este discorre sobre a mobilização do direito - processo de reivindicação de interesses, direitos, valores e princípios por grupos sociais - e a possibilidade de aumentar a relevância de um tema no meio político, jurídico e social. Assim, legitima-se a ocorrência da ADPF, posto que não se trataria de um ato de força ou de abuso do poder, mas de uma tentativa de assegurar direitos à população.

Finalmente, toma-se as ideias desenvolvidas por Sara Araújo para constatar a ideia da política de cotas raciais como uma reação ao modelo hegemônico. A autora pontua como há uma divisão mundial, na qual a epistemologia do norte há anos subjuga a cultura, a ciência e os indivíduos do sul, procurando impor seus valores como aqueles dominantes em âmbito internacional. Nesse viés, se desenvolve uma invalidação do sul pelo norte e a construção de monoculturas que colocam as características dominantes como as únicas válidas e promovendo uma invisibilidade do que não é por eles produzido. Em contrapartida a esses pensamentos, tem-se a ecologia do saber, que busca a promoção da pluralidade do conhecimento e da rejeição do universalismo abstrato, buscando uma horizontalidade e um direito “provincializado” e “desparoquializado”. Araújo, então, defende a construção de um direito amplo, inclusivo e que comporte “as lutas jurídicas que florescem na interlegalidade dos encontros jurídicos e nas lacunas do Estado”. 

Por fim, a constitucionalidade dessa sentença também se justifica com base no art. 5° da Constituição Federal, que prevê o princípio da igualdade material e no art. 206, incisos I, III e IV, que prevê que o acesso ao ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: “igualdade de condições para acesso e permanência na escola”; “pluralismo de ideias”; e “gestão democrática do ensino público”. Logo, sob esta análise, reconhece-se a importância da decisão final do STF na ADPF n°186 na luta contra o preconceito racial no Brasil, já que, ainda que representem a maioria da população brasileira, os negros são os que mais sofrem com a pobreza, a miséria, a fome, o desemprego e a dificuldade de acesso à cultura e educação no país. Essa realidade é consequência da falta de medidas governamentais que assistissem esse grupo desde o fim da escravidão, de tal forma que se percebe a existência de uma dívida histórica a ser sanada com essa população, em virtude da concretização do direito à dignidade humana que lhes compete.


Mariana Medeiros Polizelli 

1° ano - Matutino 

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