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quinta-feira, 17 de novembro de 2022

ADPF 186: a ignorância brasileira frente aos conceitos de igualdade formal e material


        A proposta de instituir as cotas étnico-raciais nas instituições públicas de ensino superior é de tentar equalizar e corrigir as omissões e violências estatais acometidas contra todos aqueles que não pertenciam ao grupo dominante do branco europeu. Ao longo da história brasileira, não se pode ignorar o expressivo passado escravista o qual apresenta consequências até os dias atuais. A ratificação da Lei Áurea em 1888, apenas efetuada após muita luta e resistência negra, apresentou-se apenas como uma formalização legal, visto que o Estado não se preocupou em estabelecer medidas que permitissem a inserção do ex-escravo na sociedade. Com isso, a realidade apresentada foi a da perpetuação do trabalho em péssimas condições para essa população. Assim, estendendo esse contexto para a atualidade, a população preta via-se afastada das instâncias de ensino público superior, um resultado da omissão estatal frente a realidade histórica.
No entanto, em 2012, certa parcela da população brasileira não compreendeu a questão das cotas étnicas-raciais como método de reparação histórica dos erros cometidos pelo próprio Estado brasileiro. Assim, surgiu no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação de Descumprimento de Preceitos Fundamentais (ADPF) número 186. Em suma, essa ação alegava a ofensa a determinados artigos da Constituição Federal de 1988, a maioria a serem descritos ao longo deste texto, por, segundo os comoventes da ADPF, ferir os preceitos de igualdade proferidos na legislação. A ADPF, por fim, foi compreendida como improcedente.
A princípio, visto ao que foi anteriormente exposto, os responsáveis pela alegação provém de uma ignorância frente aos conceitos essenciais para o estabelecimento dos direitos humanos: a distinção entre igualdade formal e igualdade material. É amplamente compreendido pelos estudiosos dos direitos humanos que há diferenciações entre o previsto na Constituição (igualdade formal) e a aplicação real (igualdade material). A partir disso, cabe ao Estado reconhecer esses abismos sociais para implementar medidas de reversão, a partir da conhecida frase: “É preciso desigualar para equivaler”. Ademais, sabe-se que o reconhecimento estatal é apenas alcançado após muita persistência dos movimentos sociais. Assim, pode-se falar do conceito de “Espaços dos Possíveis” desenvolvido por Bourdieu, evidenciando o direito como uma mera ferramenta que se move a partir das demandas sociais, sendo interligado à sociedade e dependente da mesma.
Em segundo ponto, os artigos apresentados como feridos encontram-se perfeitamente respeitados pela implementação das cotas étnico-raciais. O documento faz menção aos artigos: 1º, inciso III; 3º, inciso IV; 4º, inciso VIII; 5º, incisos I, II, XXXIII, XLI e LIV. Todos esses artigos da Constituição Federal dissertam, de algum modo, sobre preceitos de direitos fundamentais. O projeto instituído de cotas étinico-racial não descumpre qualquer princípio de dignidade humana e ainda corrobora com os ideais de promoção de bem-estar social de todos os cidadãos, previsto dentre esses artigos. Além disso, ainda há a contestação frente aos artigos: 37, caput; 205; 206, caput e inciso I; 207, caput; 208, inciso V. Esses referem-se ao direito à educação e os deveres do Estado em respeito a isso. Levando-se em conta o fato de que a ideia da obrigatoriedade das cotas étnico-raciais é ampliar o acesso ao ensino superior público, não há um descumprimento com os direitos fundamentais.
Por fim, a ADPF apresenta-se incabível frente a realidade de sociedade racista e de tantas desigualdades, sendo coerentemente julgada como improcedente. Faz-se necessário, então, o compreendimento da necessidade de expansão democrática como tentativa de ampliar os espaços para o acesso de todos a oportunidades. A mobilização social mostra-se extremamente importante nesses aspectos para a criação de mecanismos e técnicas para as demandas defendidas pelos grupos minoritários de fato cheguem ao poder público. Além do mais, o aumento do número de pretos nas instituições superiores de ensino reflete diretamente na elevação estatística de pretos reivindicando cargos altos no mercado de trabalho. 


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