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quarta-feira, 8 de junho de 2022

O método dialético e a igualdade perante a lei

                Desenvolvidos no século XIX, os estudos econômicos e sociais dos pensadores alemães Karl Marx e Friedrich Engels influenciaram e continuam a influenciar continuamente o desenvolvimento de teorias políticas. Contudo, é de tamanha importância ressaltar que a análise marxista e o método de interpretação social dialético elaborado por esses pensadores também pode contribuir imensamente para uma melhor compreensão e construção do sistema normativo à medida que permitem reconhecer os diversos confrontos materiais que guiam, em níveis diferentes, a aplicação das normas.

            Em sua obra ‘’A ideologia alemã’’, Marx e Engels criticaram assiduamente a filosofia idealista hegeliana, a qual concebia as relações e os fatos sociais por meio de uma lente falseadora, incapaz de reconhecer os conflitos reais existentes no cerne da sociedade. Segundo essa teoria, o Direito seria um campo de liberdade, pois a lei possuiria a capacidade de igualar a todos. Apesar da atração de tal perspectiva, devido a sua beleza moral tentadora, é impossível não apontar as suas falhas, sendo a principal delas, na visão de Marx e Engels, o idealismo simplista e exacerbado. Para tais pensadores, a ideia hegeliana de Direito não contemplaria o aspecto materialista da vida, ignorando por completo os encontros e desencontros sociais e históricos influenciados pelos impulsos econômicos do capitalismo. O risco de não se reconhecer tais desencontros é precisamente permitir que a lei não legisle sobre eles, tornando o Direito um meio de acentuação de desigualdades sociais e não um atenuador ou eliminador destas.

            Um dos principais exemplos deste problema identificável na sociedade atual talvez seja a questão da falta de regulamentação no Direito brasileiro para os motoristas de plataformas digitais de carona, como o Uber. A lei trabalhista não toca tais indivíduos no sentido de garantir que as plataformas às quais eles se filiaram garantam-lhes o mínimo de direitos de condições dignas de trabalho. As justificativas para a omissão são todas movidas pela ganância das grandes empresas capitalistas, que incentivam sacrifícios diários de dignidade e saúde de motoristas em troca de maiores lucros, e são revestidas por ideias simples e desconexas com a totalidade da complexidade da realidade trabalhador brasileiro. Afirmar, por exemplo, que todo trabalhador é completamente livre para escolher qual serviço deseja exercer é fazer uso da perspectiva idealista de Hegel, ignorando que a situação de inferioridade financeira dos trabalhadores e o desespero para conseguir melhores condições de vida, sustentado pelo sistema capitalista, vai torná-lo propício a aceitar qualquer trabalho que lhe permita ‘’colocar o pão na mesa no final do dia’’. Considerando tal situação no caso dos motoristas de aplicativos, o que vemos como resultado é a existência de motoristas cansados por jornadas longas e degradantes de trabalho, e, portanto, mais propensos a se envolverem em acidentes de trânsito, cujas consequências, caso de fato ocorram, recaíram somente sobre eles e não sobre a empresa digital.

            A omissão explícita da lei brasileira quanto a estes motoristas só reafirma a tese de Marx e Engels de que o Direito serviria como instrumento de dominação de determinadas classes sociais sobre as outras. É imprescindível, pelo bem destes motoristas e dos seus passageiros, que o Direito se mova de maneira a legislar sobre eles, fazendo uso do método dialético para garantir que desigualdades materiais, como a do caso em questão, não sejam, no mínimo, refletidas no âmbito jurídico, para que o Direito possa realmente se tornar um elemento social de luta pela liberdade.


Nome: Isabela Maria Valente Capato

R.A: 221221468

1 ano de Direito - diurno

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