Quando Boaventura de
Souza Santos se ocupa em desenvolver seus escritos acerca da democratização do
acesso à justiça, é evidente que há em seu discurso uma questão prioritária a
ser solucionada, ainda mais evidente em países subdesenvolvidos cerceados pela
desigualdade de oportunidades e pela falta de investimentos em educação (Embora
o autor seja europeu, há uma perspectiva global no que se refere ao acesso do
sistema de justiça).
Em uma análise
contundente de sua obra e preocupando-me em atender aos requisitos da atividade
em questão, torna-se claro que a observação de qualquer julgado brasileiro
atende à problemática exposta pelo autor, uma vez que são utilizados termos
inconcebíveis ao linguajar cotidiano e que se restringem ao entendimento
daqueles que dedicam suas vidas ao ofício da lei.
Vejamos, pois, que uma
vez que a esfera jurídica atinge a vida de todos os indivíduos igualmente,
integrando – em plena verdade – o caráter de mudança e da resolução de
conflitos, moldando de forma direta ou indireta o convívio social a partir de
determinado ponto, seria justo apenas alguns integrantes da sociedade serem
capazes de entender diretamente tal discussão? A título de exemplo para o
presente texto, tomemos como base a Medida Cautelar do STF que julgou inconstitucional
a decisão do município de Ipatinga (MG) em banir da política municipal de
ensino qualquer referência às diferentes orientações sexuais e diversidade de
gênero. Durante a leitura da decisão do Ministro relator Gilmar Mendes, é
facílimo esbarrar em termos incompreensíveis ao cidadão médio, que embora saiba
sobre o que a ação trata por meio de veículos mediáticos, fica abandonado na
sarjeta da cidadania, devido à incompreensão do conteúdo complexo tratado no
documento. Isso, não há dúvidas, fornece combustível aos predadores da
democracia, como o atual Presidente da República, que em 2018 utilizou da
chamada “ideologia de gênero” para propagar o terror moral ao povo brasileiro
que pouquíssimo conhecia sobre o assunto em questão.
Ademais,
de forma curiosa, Boaventura chama a atenção de seu leitor ao papel das
Defensorias Públicas – órgãos de Estado que atuam justamente na democratização
do acesso à justiça. Triste e trágico pensar, contudo, que no momento em que
vivemos trava-se o embate do esvaziamento de tal elemento, reduzindo-se cada
vez mais seu orçamento e buscando limitar seu papel constitucional de defesa
aos mais vulneráveis. Daí, fica a dúvida: No atual sistema em que vivemos,
existe justiça aos menos abastados?
O
fato é que em um momento de agravamento da crise democrática e fortalecimento
de discursos segregacionistas de ódio, imaginar a justiça como um direito de
todos torna-se cada vez mais difícil, nos provocando a encontrar soluções
efetivas a tal impasse. O autor, com grande maestria, nos propõe a organização
do direito em um âmbito “paralelo”, invocando o papel comunitário da formação
de lideranças dispostas a lutarem por seus ideais, além do fortalecimento
daqueles que bem conhecem a vulnerabilidade brasileira e estão dispostos a ajudar,
como as assessorias jurídicas populares. Por fim, creio ser importante trazer a
intersecção de Roberto Lyra Filho com o autor analisado, quando esse afirma que
o direito não é, e na verdade, está sempre sendo e se construindo. Na luta pelo
direito de ter direitos, vale a reflexão: Com pomposos verbos e eloquentes
discursos, a quem pertence a Lei?
Pedro Basaglia, 1° ano - Noturno
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