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quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

A luz de Sara Araújo, a constante necessidade de legitimidade eurocêntrica


    Não é uma surpresa para ninguém as marcas que o lado norte deixou nas terras ao sul do globo quando resolveram se aventurar pelos espaços que, até então, eram ocupados por “selvagens”, que, por sua vez, "necessitavam urgentemente dos ensinamentos europeus". Ou pelo menos, esse foi o discurso dos homens brancos que adentraram pelas terras meridionais. Contudo, não foi apenas efeitos longínquos que foram deixados nas histórias dos que habitam abaixo da linha do equador, ainda hoje, o cânone hegemônico desses povos invasores influência em tudo que é realizado ao sul do planeta.

    Nessa perspectiva, a autora Sara Araújo na sua obra “O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone” disserta em uma perspectiva para se pensar o direito além do convencional, exaltando uma epistemologia do sul com um pensamento feminino, não branco, não binário, tudo aquilo que desafia a hegemonia imposta. Sara ressalta que durante a história "Do outro lado da linha, múltiplos universos jurídicos são desperdiçados, invisibilizados e classificados como inferiores, primitivos, locais, residuais ou improdutivos.”. Como reflexo no campo do direito, inúmeros casos jurídicos buscam validação em posicionamentos presentes na área boreal.

    Como exemplo da presença desses posicionamentos formadores de condutas, tem se a petição para a cirurgia de transgenitalização pelo SUS, na cidade de Jales – SP. Nesse julgamento, felizmente, o juiz concedeu a gratuidade para todas as etapas necessárias para a cirurgia da pessoa. Acontece que, o magistrado, afortunadamente, traz o fato de a transexualidade não poder ser tratada como uma patologia, na contemporaneidade, e um dos seus posicionamentos é com o seguinte trecho:

“No entanto, estudos recentes, no âmbito da psicologia, o Conselho Federal de Psicologia e a própria França têm considerado que não se trata de patologia, mas sim de um modo de ser e de viver, de modo que o sistema público de saúde deve garantir, sempre, a cirurgia, para quem desejar, desde que haja todo um acompanhamento psicossocial e psiquiátrico.”

    O posicionamento, apesar de certeiro e coerente, demonstra a necessidade de a legitimidade ser amparada pela atuação de um país hegemônico, como é o caso da França. Constantemente, as coisas nas sociedades ao sul apenas parecem corretas quando as ações estão igualmente ocorrendo pelos territórios componentes da Europa, ou nos Estados Unidos, por exemplo. Nesse sentido, Sara Araújo diz que “O Sul foi duplamente silenciado: porque alegadamente não tinha nada para dizer e porque não tinha linguagem para o fazer.” Esse trecho, traz os conceitos de “epistemicídio” e “linguagicídio” que são desenvolvidos pelo autor Boaventura Santos. É inegável que um reflexo desse silenciamento, é a necessidade atual de utilizar a voz dos silenciadores para falarem por nós. E isso é tão intrínseco e enraizado, que nem sempre é perceptível, mas, constantemente as realidades do sul são moldadas por ideais setentrionais.

    Desse modo, é conclusivo o desperdício de experiências sociais, já que, são desconsideradas as condutas não hegemônicas – que por sinal são muitíssimas. Como um caminho para ultrapassar essa linha abissal Sara pontua "Nesse sentido, defendo a recuperação do conceito de pluralismo jurídico num horizonte de reconhecimento de outros universos jurídicos". A pluralidade é algo que não deve ser limitado, a diversidade é grandiosa demais para ser colocada em função de um único ideal, romper com essa superioridade hegemônica imposta é um percurso tortuoso, mas necessário a fim de conseguir dar a devida legitimação as diversas enunciações de epistemologias do sul.

Maria Fernanda Barra Firmino – 2° semestre matutino

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