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sábado, 16 de outubro de 2021

Você tem fome de que? Análise da prisão de uma mãe que furtou para comer

    Segundo Pierre Bourdieu, o Direito é um reflexo direto das relações de força existentes, em que se exprimem as determinações econômicas e, em particular, os interesses dos dominantes. Esse pensamento reflete exatamente o direito no século XXI, já que nos dias atuais o quanto a pessoa tem na conta bancária e de qual classe econômica ela faz parte interferem de forma alarmante nas decisões judicias. 
    Recentemente uma mulher,mãe, foi acusada de furto de duas garrafas de refrigerante, um pacote de suco em pó e dois pacotes de macarrão instantâneo, o que totalizava o valor de R$21,69, teve seu habeas corpus negado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP). O Tribunal alegou que a ré tinha dupla reincidência, e que a existência de filhos não era motivo para prisão domiciliar, transformando a prisão em flagrante em preventiva, conforme afirmado no processo de número 1523714-75.2021.8.26.0228.
    O mais alarmante é quando paramos para refletir que uma mulher, que furtou, para alimentar os filhos foi mantida presa, enquanto todos os dias milhares de políticos roubam dezenas de milhares de reais dos cofres públicos, sem sofrer nenhuma punição por seus atos. O juiz, ainda afirmou que o interesse da sociedade se sobrepõem aos interesses individuais, o que reafirma o pensamento de Bourdieu de que é uma ilusão a independência do direito em face das relações de forças externas. O direito é regulado por forças externas, aquela frase "todos são iguais perante a lei", não é tão aplicável na realidade, já que em alguns casos, direitos básicos são negados pela simples ausência de uma posição social mais elevada. 
    A mulher em questão roubou para comer, porque o Estado, que lhe deveria prestar assistência, foi omisso. Se considerarmos, o valor dos itens furtados foi irrisório e ela é mãe,de 5 filhos,menores de 12 anos de idade, ou seja, crianças incapazes de cuidar de si mesmas. Bourdieu afirmava que o veredito é resultado de um trabalho de "racionalização" que vincula-se muito mais as atitudes éticas dos agentes do campo que as normas puras do direito. 
    A afirmação cai como uma luta para esse processo em questão, já que faltou um pouco de humanidade, de um juiz e de um desembargador que ganham cerca de R$59.000,00 e não tem a fome como parceira em seu dia a dia de compreender que o ponto de foco não deveria ser o furto, mas sim, a omissão do Estado, em prestar assistência à população vulnerável, o que fez com que uma mãe, desesperada para alimentar seus filhos visse no furto, a única saída para matar aquilo que já estava matando-os: a fome.
    O caso em questão, ganhou repercussão nacional e chegou até o STJ (Supremo Tribunal de Justiça) o qual, através do Ministro Joel Ilan Paciornik concedeu o Habeas Corpus, atendendo ao pedido da Defensoria Pública e acatando o fato da mãe ter cometido "furto famélico". O ministro compreendeu que a "lesão ínfima ao bem jurídico e o estado de necessidade da mulher não justificam o prosseguimento do inquérito policial". 
    Mais um caso, em que se o réu tivesse uma fortuna em sua conta bancária não teria passado pela metade do que passou. Todos os dias, dezenas de cidadãos são presos por furtar algo para comer, enquanto, todos os dias, milhares de políticos e grande empresários, roubam grandes fortunas sem jamais serem punidos por seus atos ilícitos. O judiciário enxerga no ato de furtar para matar a fome, uma grande atentado a ordem social, enquanto deveriam, na realidade, enxergam o atentado que o Estado brasileiro comete, cotidianamente, ao negar auxílio aos cidadãos em condições vulneráveis.


Ellen Luiza de Souza Barbosa 
Turma XXXVIII
Noturno


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