Em um cenário atual, a ação contante de nossa suprema corte não parece estranha. Exercendo o papel da supremacia
hermenêutica, o tribunal é capaz de modificar sumariamente regras da própria
convivência individual graças ao principal valor constitucional
brasileira: um rol gigantesco de direitos e deveres que passam por contradição.
Pierre Bourdieu, não por acaso, ao estudar sobre a tutela do direito em cortes europeias
(origem francesa do pensador) chega em um ponto em comum: o poder simbólico do
direito. À luz desse ideal, Bourdieu critica a tentativa do direito tomar para
si autonomia, uma vez que a gênese dessa "ciência" é das relações de
forças sociais externas:
"... a tentativa de Kelsen para criar uma <<teoria pura do
direito>> não passa do limite ultra-consequente do esforço de todo o
corpo dos juristas para construir um corpo de doutrinas e de regras
complementares independentes dos constrangimentos e das pressões sociais, tendo
nele mesmo o seu próprio fundamento." (Bourdieu, Pierre pg. 209 "O
poder simbólico").
Dessa forma, o conceito do
pensador deixa claro que o direito deve estar distante da valorização própria
como um "fim em si mesmo", uma vez que sua formação é social.
Ademais, vale ressaltar a
crítica do pensador ao valor meramente lógico/ a priori que
apresenta capacidade de legitimar um corpo judicial extremamente
hierarquizado:
"...lógica positiva da ciência e da lógica normativa da moral,
portanto, como podendo impor-se universalmente ao reconhecimento por uma
necessidade simultaneamente lógica e ética... Mas, por mais que juristas possam
opor-se a respeito de textos cujo sentido nunca se impõe de maneira
absolutamente imperativa, eles permanecem inseridos num corpo fortemente
integrado de instâncias hierarquizadas..."(Bourdieu, Pierre pg. 213 e 214
"O poder simbólico").
Tendo os ideais em mente, volto
a discussão sobre o STF e ressalto sua atuação na ADPF 54. Nesse caso, a corte
julgou o caso da interrupção da gravidez caso o feto seja diagnosticado com
anencefalia. Ao decorrer do evento, deixou-se evidente a relação simbólica do
poder nas mãos dos ministros. Enquanto os representantes da sociedade e o
advogado da causa participaram brevemente da cerimônia, os ministros proferiram
longas sentenças, nas quais não apenas o direito entrava em discussão, mas
também valores morais, éticos e filosóficos. Travestidos de provedores de certa
lógica simbólica, os magistrados defenderam, em sua maioria (8 dos 10) a
antinomia entre a constituição, no que tange ao seu rol de direito
fundamentais: a vida, a saúde, a autonomia e entre outros. No entanto, o papel
de levantar tais pontos é exclusivo do legislador ao prover modernização da
norma. A ação do STF impôs certo grau de autoridade à um tema que não o coube,
nesse ponto cabe ressaltar a ideia de Bourdieu da relação de poder dentro do
judiciário:
“Há, pois, um efeito próprio da oferta jurídica, quer dizer, da
<<criação jurídica>> ... com o esforço de grupos dominantes ou em Ascenção
para imporem ... uma representação oficial do mundo social que esteja em
conformidade com a sua visão do mundo e seja favorável aos seus
interesses".(Bourdieu, Pierre pg. 248 "O poder simbólico").
Tendo isso em mente, o voto dos
ministram estariam recheados da opinião pessoal e dos interesses individuais.
Assim, uma corte composta por 10 pessoas substitui a ação do legislativo
composto por mais de 500 representantes eleitos.
Portanto, mesmo eu pessoalmente
concordando com a desumanidade da proibição da proibição do aborto em caso de anencefalia,
devo imperar meu argumento Bourdieuano sobre a carência do direito em atuar em
si mesmo. Nesse sentido, devo apontar como medida alternativa um valor
fundamental do direito que se perdeu ao longo de sua história: a mediação. É
papel, assim , do STF não medir esforços para passar tal temática para discussão
em plenário do congresso e do senado devido à sua autonomia apenas ser fruto de
valores simbólicos de dominação.
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