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sexta-feira, 16 de agosto de 2019



Breves reflexões sobre a ADPF nº 54 
à luz das concepções da teoria de Pierre Bourdieu



Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54 é possível identificar diversas concepções propostas por Pierre Bourdieu sobre a constituição do campo jurídico, na reconhecida obra “O Poder Simbólico”. No julgamento sobre a procedência da ação, que tratou sobre o pedido da não consideração da interrupção da gestação de fetos anencefálicos como um crime, suscitou-se intenso debate entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), sendo que, em 2012, decidiu-se por oito votos a dois, pela procedência do pedido. A decisão pela inexistência de crime resultou da aplicação do princípio da interpretação conforme, dito de outro modo, baseou-se num esforço hermenêutico, uma vez que o legislador ordinário não previu a excludente de ilicitude pleiteada na ação, no Código Penal.

Dado que Bourdieu afirma que o campo jurídico é o locus no qual ocorre a “concorrência pelo monopólio do direito de dizer o direito”, os votos dos Ministros demonstram essa “luta simbólica”. Na ADPF 54 verifica-se, conforme defende Bourdieu, um “confronto entre agentes investidos de competência para interpretar um corpus de textos”, uma vez que os ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso entenderam não ser possível a interpretação da exclusão da ilicitude na respectiva interrupção da gravidez, enquanto os demais ministros concluíram pela possibilidade. Percebe-se, portanto, que a interpretação do texto jurídico é uma luta pela “apropriação da força simbólica presente no texto em estado potencial”.

Ao decidirem, de forma paradigmática, pela procedência do pedido, os Ministros do STF promoveram o que Bourdieu chama de “por-em-forma”, ou seja, colocaram na forma do campo jurídico. Desse modo, a despeito de um grupo minoritário de ministros que entendeu ser impossível a interpretação extensiva na respectiva ação, o grupo majoritário entendeu que o pedido enquadra-se no que Bourdieu intitula de “espaço dos possíveis”, permitindo-se assim a interrupção da gestação de fetos anencéfalos.  



Kleber - UNESP - Direito - 1º ano DIURNO

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