O primeiro órgão humano a se formar é o coração, segundo pesquisadores de Oxford, os batimentos se iniciam 16 dias após a concepção, o que leva a crer que já há vida antes mesmo da total formação do sistema nervoso. Baseado nesses dados, é inegável que o aborto, mesmo que até o terceiro mês de gestação, é a retirada de uma vida. Porém, a opção pelo aborto não é decorrente de alguma maldade, mas sim de alguma impossibilidade material, psicológica, ou por não querer ser mãe, liberdade da mulher que deve ser respeitada. Recentemente, na Irlanda, foi aprovada uma emenda constitucional que permite o aborto durante as primeiras 12 semanas, uma vitória para as mulheres, ao romper com o poder simbólico masculino exercido sobre elas, prova disso foram as reações contrárias a essa aprovação: “As irlandesas ganharam o direito de se tornarem assassinas de inocentes. O pior é que um absurdo deste é comemorado como se fosse uma vitória”; “Deviam era criar vergonha na cara e fecharem as ‘pernas nervosas’ quando se deparassem com as consequências de não se prevenirem até para sua própria saúde”. Se em países europeus -que, teoricamente, são mais avançados em questões que buscam a igualdade de gênero- já suscitou reações estrondosas, no Brasil a questão torna-se ainda mais delicada, uma vez que houve grande polêmica para a descriminalização do aborto somente em casos de fetos anencéfalos.
A ADPF 54, apesar de ter dado veredito positivo à descriminalização da antecipação terapêutica do parto, prova como o direito é permeado pela moral, mesmo que sua pretensão seja de imparcialidade e que o Brasil seja um Estado laico, isso porque, não se entrou na discussão real sobre a aprovação do aborto. A moral religiosa exerce grande poder sobre as decisões tomadas no país, a bancada evangélica tem enorme apelo popular, o que impede que esse assunto até mesmo entre em pauta no Congresso Nacional, obrigando o poder judiciário a tomar partido e abrir discussão sobre assuntos delicados quando é provocado. Na visão de Bourdieu, esse papel que o judiciário vem tomando corresponde ao verdadeiro dever do Direito, não estar a serviço da classe dominante -que hoje seriam os conservadores em relação a costumes- e não ignorar as demandas sociais que clamam por mudanças nas estruturas sociais vigentes -nesse caso, o patriarcado e machismo histórico brasileiro.
Outra questão que é levantada nesse julgado é o espaço dos possíveis do Direito, será que deveria ser o poder judiciário, que não é eleito, a interferir em uma questão tão sensível como o aborto? Considerando que a grande maioria dos representantes políticos são homens e se omitem de debater a questão, além de o Código Penal datar de 1940 (em que a mulher tinha um papel definido na sociedade, devendo ser a "bela, recatada e do lar), sim, o judiciário deve ser quem inicia a mudança, se utilizar de sua relativa autonomia para ser um transformador do Direito e atender às novas demandas da sociedade.
Ainda que essa decisão tenha sido de suma importância, ela demonstra como o Direito caminha a passos lentos, uma vez que, a demanda feminina por igualdade real, por decidir sobre o próprio corpo e não ser penalizada ou escrachada por isso, além de decidir se quer ter o filho levando em conta diversas questões (se terá condições financeiras, "idade certa", apoio psicológico e financeiro do pai da criança ou da própria família), não foram atingidas e, ao que tudo indica, demorarão a ser, mas que seus vereditos podem ser o mecanismo para mudanças mais profundas e relevantes da sociedade.
Caroline Kovalski, 1° ano, Direito noturno.
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