Cabisbaixo, sério e concentrado,
caminhava por uma estrada de curvas sem fim. Embalado pelos fones de
ouvido e perdido em pensamentos que gritavam vozes surdas para
ninguém ouvir. Impossível dizer se aquela estrada levava a uma
escadaria para os céus ou se findaria em uma estrada para o inferno.
Eram demasiadas as curvas e os desvios, e nenhuma alma encontrada
pelo caminho se dispunha a ajudar. Não tentavam entender, não
queriam reconhecer. Não estavam interessados em compreender, sequer
se importavam em ver. Apenas olhavam para julgar e criticar. Não
viam um humano, não viam um diferente. Apenas viam um inimigo. Viam
apenas o que queriam ver…
Vivemos em uma sociedade
complicada, caminhamos por uma estrada turbulenta. Dentre os inúmeros
problemas enfrentados, um parece se destacar à maneira que, direta
ou indiretamente, reflete todos os outros. Temos uma enorme
dificuldade em conviver com diferenças, e em uma sociedade plural
como a evidenciada na contemporaneidade (“ainda bem!” e, para os
que preferirem, “graças a Deus!”), infelizmente percebemos ainda
mais gravemente esse problema. Nos organizamos em micro e macro
grupos em expansão, determinados por gostos, ideologias e
características em comum, e vemos nos demais grupos marginalizados,
inimigos sociais que ameaçam nossa vida em sociedade. O diferente
não é um diferente, ele é meu inimigo. Ele é um criminoso.
Vivemos sob uma dicotomia extremada de amigos e inimigos. Não há
adversários, não há antíteses, não há diálogos. Somente certos
e errados, sem pluralidade, sem tolerância, sem respeito, sem
reconhecimento. Apenas inimigos… e inimigos devem ser aniquilados.
Sob essa perspectiva, temos uma
política caótica e um Estado conturbado. Em tese, o Estado
Democrático de Direito se marca pela limitação do poder estatal,
utilizado principalmente como instrumento
para assegurar o
desenvolvimento da personalidade de todos os indivíduos, permitindo
que cada um realize os seus projetos pessoais lícitos. Igualdade,
Liberdade, Dignidade e Segurança… palavras bonitas, sentimentos
louváveis, mas que não refletem a realidade. Nessa
sociedade dicotômica, não parece ser bem isso o que queremos.
Tomemos sob perspectiva as lutas sociais pelo reconhecimento de
direitos na união homoafetiva. O que evidenciamos é um claro
autoritarismo moral que clama por um Estado autoritário hobbesiano,
em que a divindade bíblica irá punir os inimigos e estabelecer a
ordem para os “cidadãos de bem”, para os “certos na história”.
Não importa se minha
liberdade será relativizada e usurpada, desde que os inimigos
marginalizados do meu seleto grupo, desde que os que pensam e agem
diferente do que eu julgo moralmente correto, sejam aniquilados. A
homossexualidade constitui fato da vida que não viola nenhuma norma
jurídica e, por si só, não é capaz de afetar terceiros. Tudo o
que se visa é o respeito e
o reconhecimento, bem como a tutela estatal de todo tipo de família.
O núcleo familiar é o amor, sem importar os entes envolvidos. A
sociedade atual carece por respeito e exagera em falsos moralismos.
A
demanda social quanto a tal reconhecimento se dá sob três prismas:
amor, direito e estima. Axel Honneth parte dos conflitos sociais
analisando sentimentos morais e utilizando da dialética hegeliana.
Diferentemente de Marx, ele
não prega a solução por via de uma revolução, mas focada em um
reconhecimento recíproco. Assim, a solução para essa dicotomia
amigo/inimigo se daria por um reconhecimento individual pelo “amor”,
que refletiria no “direito” e estabeleceria no “estima” o
reconhecimento social. Entretanto, evidenciamos um grave problema
nessa esfera do “amor”. Segundo Honneth, a aquisição da
capacidade de estar só gera autoconfiança. E
a autoconfiança seria base para o reconhecimento nessa
esfera. O que identificamos é uma enorme dependência dos
indivíduos, que não conseguem se sentir bem consigo mesmos, que não
conseguem reconhecer a si próprios e
se aceitar como são. A forte dependência para com o Estado, para
com outros indivíduos e para com autoritarismos morais, limita o
reconhecimento e instaura o
desrespeito.
Enquanto
caminharmos por esta estrada enxergando apenas amigos e inimigos,
tentando aniquilar os diferentes encontrados em cada curva e impor
autoritarismos morais, não importa o que nos espera no fim do
caminho. Pior do que demorar a chegar, ou chegar em um lugar que não
gostar, é caminhar e caminhar, para jamais chegar em nenhum lugar.
Abner Santana de Oliveira - 1º Ano, Direito, Noturno.
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