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sexta-feira, 21 de outubro de 2016

TRANSposição da Alma


Se não canto, pelo menos grito- Mario Quintana
Os transexuais podem ser conceituados como os indivíduos que possuem a convicção inalterável de pertencer ao sexo oposto ao constante em seu Registro de Nascimento, reprovando vigorosamente seus órgãos sexuais externos, dos quais desejam se livrarem por meio de cirurgias. No caso concreto analisado, a Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca de Jales, o requerente, transexual comprovado, pleiteou a tutela antecipada para cirurgia de mudança de sexo, a cargo do SUS, e para alteração do nome e do sexo, de masculino para feminino, no seu registro civil. O juiz respondeu positivamente ao pedido, mobilizando de forma riquíssima conhecimentos de diversas áreas do saber, acolhendo o argumento de sofrimento psicológico decorrente do tratamento social recebido pela paciente, ora requerente, e principalmente pelo transtorno que ela sofria de não sentir no seu corpo a transposição da sua alma, e amparando sua decisão em jurisprudência dos tribunais judiciários, se valendo do previsto no Código Civil, que permite a disponibilização do próprio corpo e em direitos fundamentais.
            A Constituição Federal reconhece a saúde a qualquer cidadão, e essa saúde não é somente a saúde física, é a saúde mental, psicológica, então, possibilitar o tratamento de saúde adequado aos transexuais é concretizar valores constitucionais é garantir que esse exerça seu direito à liberdade, a igualdade, e principalmente o direito à vida, a uma existência plena da forma que lhe fizer feliz. Reforçando que o transexualismo não é uma patologia. Reconhecer seus direitos é uma medida que possivelmente evitaria ações suicidas ou mortes por automutilações e garantiria o pluralismo constitucional, respeitando-se assim todas as formas de viver.  
A luz do pensamento weberiano, a decisão do juiz pode ser compreendida como a aplicação do Direito Materialmente racional, no qual os “problemas jurídicos sofrem a influência de normas qualitativas, como imperativos éticos, regras de convivência (utilitárias ou de outra natureza) ou máximas políticas que rompem com o formalismo jurídico”, ou seja, tal decisão procurou aplicar disposições jurídicas vigentes a caso concreto, objetivando encontrar uma solução jurídica que prestigiasse o direito material dessa pessoas de receber um tratamento que respeite sua liberdade. Weber considera o direito à liberdade primordial, concedendo total autonomia as partes, reconhecendo a atividade humana que tem um sentido subjetivo dado pelo próprio sujeito que espera um reconhecimento social (ação social), dialogando com Kant e a sua brilhante compreensão de tratar o homem como um fim em si mesmo e não como um meio.
  Sendo assim, apesar do debate se a decisão do juiz seria a melhor solução para casos semelhantes. Considerando que a questão está relacionada a incompreensão e a intolerância, pontuando que a tentativa de adequar fisicamente uma pessoa a um dos dois padrões não seria a melhor forma de prover o respeito a pluralidade possibilitando a continuidade da discriminação social. Deve deixar-se claro, que a pesar do fator coerção social, a mudança sexual, o não se sentir bem com o seu corpo é um desejo psicológico, intrínseco a personalidade do ser humano. Dessa forma, a decisão do juiz representa um começo, um princípio, representa que minimamente a concepção da sociedade está se modificando. Representa a garantia do direito de você ser aquilo que você quer ser. Nesse sentido, a longo prazo, é necessário atuar na educação e promoção de direitos desses grupos, além da maior positivação de regras especiais para sua proteção no ordenamento jurídico, superando a transfobia institucionalizada garantindo os direitos e deveres tutelado na nossa Carta Magna.  A cirurgia seria a etapa que se basearia somente no desejo, não sendo realizada para se submeter aos padrões da sociedade, mas sim por o desejo particular do corpo representar aquilo que você é.
Weber não propunha a compreensão da racionalidade, da racionalização formal e material de forma individualizada, ele propunha que elas estavam interligadas. Sendo assim o direito tem que ser capaz de transpor e relacionar os dizeres da constituição ao mesmo tempo que analisa as características sociais que caracterizam o caso.
O direito não pode estar a serviço somente do capital, nesse ponto Weber se aproxima de Marx, ao compreender que o direito opera em favor da classe dominante, conservadora, deixando parcelas da sociedade como minorias compreendidas por Durkheim como disfuncionais, afim de garantir a mão de obra barata de pessoas taxadas como não aceitas. Dessa forma, o direito não pode absorver os preconceitos que o capitalismo cria como forma de marginalização.
 Somando-se a isso Weber ainda afirma que, “normas obtidas pela elaboração lógica de conceitos, jurídicos ou éticos, fazem parte, no mesmo sentido que as ‘leis naturais’, daquelas regras universalmente compromissórias que ‘nem Deus pode mudar’ e às quais não deve tentar opor-se nenhuma ordem jurídica” (WEBER, 2004, p. 136). Apesar da reivindicação da transexual no julgado apresentar argumentos baseados em sólido ordenamento positivo e constitucional, sua base geral é fundamentada por uma racionalidade material que reconhece a natureza humana das questões jurídicas; não as torna direitos enquanto normas estabelecidas, mas normas enquanto direitos pré-existentes e, dentre todos eles, o direito urgente que toda pessoa sente em ser feliz.
        “Permitir, pois, que o transexual viva, em plenitude, a sua vida, significa dar-lhe liberdade. Dar-lhe liberdade é desaferrar-lhe das amarras que o evitam ser feliz. E indivíduos felizes, independentes, são muito perigosos. Eles se armam com o amor, com o afeto, um material capaz de fazer revoluções, de se espalhar e destruir o capital, revolucionar as formas de convivência humana, atassalhar a moldura capitalista de uma sociedade amante do aparecer e inimiga do ser”. (JULGADO, p. 4).

Jéssica Xavier

1° Ano- Direito Noturno

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