Total de visualizações de página (desde out/2009)

quinta-feira, 5 de março de 2015

Bourdieu aplicado ao aborto de feto anencéfalo

Em 12 de abril de 2012 foi publicado o relatório a respeito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), de autoria do Ministro Marco Aurélio, a respeito da interrupção da gravidez em casos de feto anencéfalo, que levou à sua descriminalização. Foram colocados em questão diversos fatores, como a liberdade sexual e reprodutiva da mulher, sua saúde, a saúde do feto, a dignidade da mulher e do feto, os direitos fundamentais de ambos, entre outros.
Um dos questionamentos em que se incorreu foi o debate sobre a caracterização do começo da vida, já que as possibilidades de um feto anencéfalo sobreviver por longo tempo no ambiente extrauterino são mínimas, de acordo com estatísticas médicas. Discutiu-se se o feto já teria vida a partir da concepção ou a partir de um certo tempo de gestação.
Este caso teve  grande repercussão nacional, em função da forte influência das ideologias religiosas e morais que permeiam a realidade brasileira. Neste ponto, fica clara a colocação de Bourdieu, a respeito do direito como um formador de habitus,: o direito possui a capacidade de formular opiniões, por meio das sentenças, que serão incorporadas à vida social, tornando-se habituais. No caso citado, o habitus era o respeito à moral e aos valores religiosos, de acordo com o senso comum, dos quais o Ministro Marco Aurélio fugiu ao proferir seu parecer. Este habitus gera uma inércia social, difícil de modificar. 
Da perspectiva jurídica, o feto anencéfalo é morto, não tem vida, segundo disposições que determinam que a vida se dá em razão das funções vitais, ausentes no anencéfalo. Novamente, a teoria de Bourdieu cabe perfeitamente, desta vez no que diz respeito à autonomia do poder Judiciário: por meio do direito, seus operadores, os magistrados, possuem a capacidade de proferirem suas sentenças com relativa independência frente à opinião pública, de modo que conseguem adaptar a legislação para os casos concretos, modificando a jurisprudência, para que a nova decisão se aplique em casos semelhantes. Além disso, esta autonomia é necessária para efetivas as decisões do Estado, além de permitir o debate entre as partes sociais envolvidas, de modo a não prejudicar as minorias.
Nota-se a grandeza do poder Judiciário, que Bourdieu indica como procedente da característica de seus componentes serem indicados pelo poder Executivo. Essa característica leva a uma maior aceitação, ou legitimização deste poder, pela própria população, que considera-o como o poder mais capacitado para atender às suas demandas. 
Ademais, o poder Judiciário, segundo Bourdieu, possui a capacidade de interpretar as normas, por meio da ciência hermenêutica, mas de maneira limitada, de acordo com as possibilidades concretas do contexto em que se inserem. Portanto, por meio da hermenêutica, o Ministro Marco Aurélio pôde distanciar-se do senso comum, e promover uma decisão judicial que beneficia a saúde da mulher que deseja realizar o aborto de feto anencéfalo, de modo que ela possa ter um acompanhamento médico adequado, e não precise recorrer a métodos "caseiros" que coloquem sua vida em risco.

Maria Luiza Rocha Silva - 1° Ano - Direito - diurno - Turma XXXI

Nenhum comentário:

Postar um comentário