O
sociólogo francês Pierre Bourdieu buscou, em sua teoria, compreender a
sociedade não de forma superficial, mas a partir de uma análise extremamente
profunda. O autor interpretava a sociedade como uma realidade constituída por
campos, dentre os quais estaria o campo jurídico, interconectados, porém autônomos.
Cada um dos diversos campos, que constituem o âmbito social, apresenta
características específicas, cuja especificidade é a existência de um poder
simbólico, como a linguagem jurídica no campo do Direito, e uma gama de outras
estruturas, que constituem o Habitus
de cada campo.
No que
diz respeito ao julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF), proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores de
Saúde (CNTS) com a pretensão de reconhecimento da inconstitucionalidade da
hipótese da criminalização do aborto de fetos anencéfalos, várias são as
prerrogativas apontadas por Bourdieu que podem ser identificadas.
Primeiramente,
o autor coloca a necessidade de reconhecimento de que a teoria kelseniana, a
qual dita que o Direito é um fim em si mesmo, é falha. Isto porque, consoante a
Bourdieu, apesar da autonomia dos diversos campos sociais, estes são perpassados
por diversos outros campos e influências, fazendo com que se delimite uma
independência relativa. Com o campo jurídico não seria diferente. Dessa forma,
na argumentação do andamento da ADPF diversas são as áreas disciplinares a que
recorre o Direito para embasar-se, como o campo da Medicina, da Psicologia, da
Biologia e da Sociologia. A conjugação das diversas áreas do saber é um
trabalho hercúleo, mas necessário para a não decisão monocrática.
Além disso,
é importante destacar a identificação dos “espaços possíveis” na teoria de Bourdieu,
os quais seriam específicos e limitados; sua transposição seria um tabu. Ora,
em momento algum da ADPF discute-se a questão do aborto em si, ou a disposição
do corpo da mulher, ou mesmo a liberdade feminina de escolher ou não abortar,
mas discute-se, exclusivamente, a questão do aborto de anencéfalos. Percebe-se, pois, que adentrar na questão de
gêneros ou do início da vida humana é solapar-se em um terreno pantanoso, que
ultrapassa os espaços dos possíveis, sendo pois, negligenciado, e, até mesmo,
temido.
Dessa
forma, dever-se-ia, buscar a ampliação dos espaços dos possíveis como forma de
fomento a que questões reconhecidas como tabus, como a questão dos gêneros e do
próprio aborto, sejam postas em xeque. Quanto a isso, observa Bourdieu que o
campo jurídico está em constante mutação, em função da dialética social, não
avançando, pois, por si mesmo, mas assimilando as alterações sociais. Assim, o
caminho é árduo, mas ainda há uma luz a ser seguida.
Nicole Bueno Almeida, 1º ano, Direito Noturno
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