No texto “A divisão
do trabalho social”, uma das discussões de Émile Durkheim é a respeito da
evolução do direito ao longo de um processo histórico, analisando-o nas
sociedades primitivas e nas sociedades modernas. Para ele, as sociedades
primitivas apresentavam uma normatividade jurídico-religiosa, tratando-se,
portanto, de preceitos transcendentais e não criados pelos homens. Sendo assim,
as pessoas obedeciam a essas normas sociais de maneira puramente mecânica, ou
seja, sem analisá-las de maneira crítica e racional, mas de maneira, de certo
modo, instintiva; apenas para manter a coesão social.
Já nas sociedades modernas, Durkheim defende a ideia de que o
ato de seguir tais normas é uma “solidariedade orgânica”, pois esta é fruto de uma
interdependência interna, diferentemente do caso anterior, em que essa “solidariedade”
é chamada de “mecânica” por se tratar da resposta a um impulso externo.
Apesar do direito ter seguido um caminho com uma perspectiva
racional, ainda hoje é influenciado por costumes e hábitos socioculturais. A
ciência do direito ainda enfrenta dificuldades frente à consciência coletiva –
que era presente nas sociedades primitivas – mesmo depois de todo esse processo
de racionalização e da impostura do “saber jurídico” como um saber
especializado.
Essas dificuldades podem ser percebidas quando a população
não apoia aquilo que é proposto, de maneira racional, pela ciência do direito.
Por exemplo, quando um criminoso sequestra, fere a integridade física ou mata
uma pessoa e, em seguida, é preso, a população, em geral, não vai considerar a
pena recebida compatível com o crime praticado. Com isso, muitas vezes atitudes
de policiais que agridem criminosos são apoiadas pela coletividade, que sentem
que, desse modo, a justiça foi feita, apesar de tais policiais não respeitarem
os direitos humanos. Nesse exemplo, não prevalece a ideia de justiça baseada no
Direito Restitutivo, presente nas sociedades modernas, mas sim a ideia de
justiça baseada em uma consciência coletiva e punitiva.
Então, mesmo que o direito seja, na verdade, uma
racionalização de valores sociais, culturais e religiosos de uma determinada
sociedade, muitas vezes a população não aceita essa normatividade como sinônimo
de justiça, seja pela deficiência na operação do direito, seja por este não
satisfazer os anseios sociais, que trazem consigo uma carga valorativa e
emotiva considerável.
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