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sábado, 3 de julho de 2021

O Brasil pandêmico e a ciência moderna

     Por muito tempo o ser humano foi um mero espectador do mundo, um ser passivo que apenas contemplava a natureza, o seu conhecimento estéril não modificava o mundo que estava ao seu redor. A ciência moderna aparece para intervir no mundo em benefício do homem utilizando o conhecimento adquirido como uma ferramenta de mudança.

    Na idade moderna, pensadores como Francis Bacon e René Descartes mudaram definitivamente o conceito de “fazer” ciência. Anteriormente, a ciência guiava-se apenas pela contemplação da natureza e sem nenhuma proposta de mudança. As maiores fontes de conhecimento eram provenientes da religião e de costumes locais. Esse modelo de saber caracteriza-se como dogmático pois reconhece-se como uma verdade absoluta, dessa forma, impossibilitaria a sua reformulação e reprodução - essa seria a esterilidade do saber criticada por Descartes. 

    A ciência moderna, principiada por Bacon e Descartes, defende a intervenção no mundo por meio do conhecimento, ou seja, é necessário que o conhecimento se manifeste como uma ferramenta de mudança em benefício do homem. Outro ponto muito abordado dentro das bases epistemológicas da ciência moderna é a de dominação da natureza e, consequentemente, do mundo. Nota-se que a centralidade do homem é um fator extremamente importante pois o coloca como dominador e detentor do próprio meio.

    A partir dessas bases epistemológicas desenvolveu-se o conhecimento científico moderno que, basicamente, se estabelece a partir de uma razão concreta reconhecida por meio de experiências que levam em conta muito mais do que apenas eventos pessoais e individuais. A ciência questiona, põe à prova sua própria verdade, estabelece relações que possibilitem o desenvolvimento pleno de sua razão e assim, produz-se um conhecimento que, apesar de não representar uma verdade absoluta, representa uma fonte mais segura e eficaz para a humanidade.

    Apesar da ciência moderna manifestar-se como uma fonte de conhecimento de produção rigorosa e sistemática, o cenário mundial vem substituindo as evidências científicas por verdades não comprovadas, muitas vezes provenientes de opiniões, crenças e convicções baseadas em experiências pessoais. Os ídolos de Francis Bacon invadem a cena e entram em atrito com a razão científica.

    Desde o início da pandemia de Covid-19 no Brasil, o governo brasileiro tem sustentado afirmações e teses negacionistas à ciência. Estão entre elas a difusão de tratamentos sem eficácia comprovada, o rebaixamento de uma doença - que até o presente momento matou mais de 500 mil pessoas - à uma “gripezinha”, incentivo ao não cumprimento das medidas preventivas orientadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e o atraso na compra de vacinas com eficácia comprovada.

    Em meio ao caos sanitário, os discursos proferidos pelo governo à nação brasileira, geralmente, eram sustentados pela proteção à economia. O país não poderia “parar” por causa de uma pandemia pois precisava gerar lucro, gerar dinheiro, girar a roda da economia. A superação do capitalismo acima da própria humanidade é a representação perfeita da visualização do homem como uma máquina e não mais como um ser.

    Existe aqui um grande impasse: a negação da ciência moderna para sustentar o seu próprio produto. No filme “O Ponto de Mutação” - dirigido por Bernt Amadeus Capra - ressalta-se a questão da dominação da natureza tanto externa quanto interna do homem. O ser humano passa a visualizar-se como uma máquina e não se reconhece como um ser propriamente dito. Essa visão moderna do homem corrobora para a lógica capitalista de gerar lucro a todo custo, independente dos fatores externos.

    Se a mecanização do ser é um produto da ciência moderna, a negação dela, no momento atual, visa mecanizar ainda mais o homem. Em meio a uma pandemia, utilizar-se de métodos sem comprovação de eficácia para manter a economia em ascensão é não reconhecer a necessidade humana de proteger sua saúde. 

    A mecanização do homem é um ato violento de restringir suas necessidades humanas a fim de gerar riqueza para o sistema, é capitalizar a vivência do ser. Se durante uma crise sanitária global a prioridade não for salvar vidas, e sim, salvar a economia, não há mais humanidade no sistema. Negar a ciência, nesse aspecto, é negar a saúde ao povo.   

    É negando a pandemia, negando as medidas de restrição e negando as formas eficazes de controle ao vírus que se domina a natureza humana e a transforma em uma mera peça do grande tabuleiro capitalista da economia.  Luísa Sasaki - Direito Diurno - Turma XXXVIII


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