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quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Trabalhadores e Empregadores, uni-vos!

Com a aprovação da Reforma Trabalhista, em vigor desde o último sábado, faz-se bastante frequente a presença de debates apaixonados e altamente (desmedidamente, talvez) saturados de ideologias – seja ela de direita, esquerda, pra cima, pra baixo, pra cá ou pra lá − muito devido às circunstâncias atuais de extrema e chata polarização.  Não é incomum encontrar-se aqueles que, ao invés de primar pela criação ou exposição de uma teoria da tradução, ou seja, buscar-se uma proposição que absorva a realidade tangível; acabam por simplesmente simplificar a coisa empírica (falseando-a, não raramente) para que esta caiba nos pré-requisitos de sua teoria previamente estabelecida (sinônimo para ideologia). Feita a consideração, embasar-se-á a discussão na XXVIII Semana Jurídica, no apresentado na segunda-feira, 06/11, sobretudo, referente à “Nova lei da terceirização e as diferentes e novas formas de trabalho”, na qual se tivera como palestrantes Dra Regina Duarte, Dr Jair Cardoso e Dra Patrícia Maeda. Entre os principais pontos destacados − e a serem analisados aqui – estavam as questões de uma possível precariedade do trabalho, tornando o trabalhador descartável; a eventual dificuldade que o trabalhador viria a ter, num momento posterior às reformas, para exigir seus direitos com uma perda de representatividade, de salário e uma situação de desigualdade entre trabalhador efetivo e o terceirizado.
Impossível encetar qualquer questão trabalhista brasileira sem mencionar a tão falada CLT. Nesse aspecto, deve-se fazer o adendo de que, independe de defender-se uma legislação trabalhista rígida ou flexível, verem-se nelas verdadeiras garantias de direitos ou formas de dificultar as negociações, fato que parece bastante claro é a necessidade de modernização da Consolidação das Leis do Trabalho – há quem diga que ela já nasceu ultrapassada, tendo em vista seus resultados à época. A legislação, inspirada essencialmente na Carta del Lavoro, da Itália fascista, fora colocado em vigor no auge do Estado (de exceção) Novo, com o claro de objetivo de controlar e cooptar a classe trabalhadora: num país ainda fortemente agrário, com postos de trabalho totalmente distintos dos atuais – como ressaltado pelo Doutor Jair, em suas considerações −, a legislação fora minuciosa num contexto que já não mais existe, deixando de considerar,  sobretudo, os conflitos nas relações de trabalho, o que termina por inviabilizar qualquer possibilidade de negociação entre partes e acaba por sobrecarregar a Justiça do Trabalho – como exclusiva encarregada de ponderar as questões, acaba por ter a primeira e única palavra num conflito, vendo-se como salvadores da pátria e acabando ideologicamente por demonizar a relação empregador-trabalhador. A inevitabilidade de reforma e modernização pode ser mais bem compreendida e acomodada numa análise mais global: a própria França, país com forte e atuante atividade sindical, vem encarando mudanças na legislação trabalhista desde o governo – do Partido Socialista, diga-se − de François Hollande – mesmo após inúmeras e intensas manifestações.
A questão trabalhista, em geral, muitas vezes é permeada por visões antipáticas ao capital: a ideia do capitalista ou empregador como um gordo de cartola, sentado à mesa, fumando charuto. Esse imaginário, em maior conformidade com o século XIX, acaba por levar como base a relação direta e automática de que a pobreza de uns é resultado da riqueza de outros, como se a economia fosse uma espécie de jogo de soma zero – um ponto de vista ainda mercantilista, da economia como algo estático e imutável. Para se pensar a questão mais proveitosamente faz-se necessário, por outro lado, uma análise mais realista da história econômica recente, levando-se em conta, por exemplo, tamanha a ascensão social que (só) o capitalismo possibilitou, pondo fim, por exemplo, às castas e estamentos. Exemplo disso é que qualquer cidadão de classe média hoje leva uma vida mais saudável, segura e confortável que qualquer rei, dotado de prestigio e poder, da Idade Média: o sistema capitalista de produção proporcionou um enorme aumento de produtividade e levou, como nenhum outro, tanta prosperidade a tanta gente (em 1820, 75% da humanidade vivia com menos de 1 dólar por dia; passados 200 anos, esse número é de 17%) − embora tenha seus problemas e possa sempre ser discutido e aperfeiçoado. E é justamente nessa análise panorâmica que se podem ver os países com as legislações trabalhistas mais rígidas como justamente aqueles que acabam por exportar trabalhadores. Pode se ver, por exemplo, a migração de mexicanos para EUA: trabalhadores, muitas vezes de forma ilegal, deixando um país em que o custo médio da demissão é de 74 semanas de trabalho; partindo a outro, onde inexiste aviso prévio, multa por rescisão de contratos e férias remuneradas – com cem vezes menos sindicatos. Da mesma forma, portugueses e espanhóis em direção à Inglaterra – país de fácil contratação e demissão. Se tais exemplos parecem só levar em conta países desenvolvidos, têm-se diversos outros exemplos de países do dito “Sul”, que adotaram medidas liberalizantes e vivenciaram invariavelmente inegáveis crescimentos, como Chile (maior IDH da América Latina), Paraguai (mais recentemente), Nova Zelândia (medidas promovidas por um governo mais à esquerda, após um período de 23 anos de sucessivos déficits), Cingapura (país em um momento anterior intensamente explorado pela metrópole, com diversas religiões em sua composição e com pouca variedade de recursos naturais), Hong Kong, Estônia (ex-república da URSS, que tivera de enfrentar toda a problemática da derrocada do socialismo), entre outros. E o contrário também é possível se ver: como a Suécia, que após virtuoso crescimento e riqueza, por volta da década de 1950 passara a adotar um estado de bem-estar social insustentável e, após grande estagnação e crise estrutural, voltara a adotar medidas liberalizantes recentemente. Complete-se ainda que esses países mais livres são exatamente aqueles que apresentam menor desigualdade social, vide o Coeficiente de Gini; ao contrário daqueles em que o governo intervém pesadamente na econômica e termina por gerar nada além de uma elite burocrática política muito rica e os demais igualmente, é verdade, pobres.
Analisando-se os efeitos das leis trabalhistas, em si, vê-se que estas acabam por prejudicar justamente àqueles que pretendem defender, como o são os trabalhadores menos qualificados – aqueles que por falta de oportunidade, não tiveram uma formação escolar ou superior. Esses poderiam iniciar uma carreira em um baixo posto, adquirir um capital humano, entrar em contato com uma nova realidade, locupletando seu currículo e instruindo-se sobre dada área profissional – contudo, isso tudo é impossibilitado pelos excessivos encargos trabalhistas de uma legislação engessada, centralizadora e autoritária – como se pode ver até em suas origens totalitárias. Encargos que poderiam ser colocados como justo, se objetivassem, de fato, “pagar bem” o trabalhador e levar-lhe prosperidade. Entretanto, o que acontece é a situação de uma pessoa que recebe um salário mínimo (pouco mais de novecentos reais) e acaba custando ao empregador o dobro disso. Têm-se, portanto, o quadro de "muito para quem paga" e "pouco para quem recebe", com a premissa de se estar contribuindo com o Estado que, por sua vez, “estaria” garantindo serviços públicos de qualidade à população. Diga-se ainda que este seja o “melhor” dos cenários, sendo o outro, cada vez mais recorrente no momento atual, de desemprego ou realocação desse referido trabalhador na dita economia informal – esta, sim, configurando-se numa real precarização. Assim, é necessário ter-se com clareza a seguinte lógica e raciocínio: quanto maior o salário, maior deverá ser a produtividade em questão para sua sustentabilidade; uma vez isto não ocorrendo, haverá fatalmente demissões. O empregador, não existindo mágica, acaba por atuar entre duas opções: manter o mesmo quadro de funcionários a salários mais baixos, ou manter os salários e reduzir o números de trabalhadores.
A questão que parece, de fato, central é: qual o valor de tão-só uma folha de papel garantista? Uma legislação que, no papel, garanta tudo a todos, e, na realidade... não? Configuram-se planos completamente distintos a imposição de uma legislação escrita e sancionada pelo Estado e o cumprimento efetivo e minimamente satisfatório desta. Exemplo da Venezuela: existia uma lei que proibia a demissão de trabalhadores que ganhassem menos que 1,5 salários mínimos. Parece-me lindo, afinal uma parcela vulnerável como tal ficar desempregada seria e é trágico em qualquer local. Resultado: o patrão venezuelano promovia os funcionários para, assim, poder aumentar os seus salários e os demitir na sequência, levando a absurda situação de funcionários com medo de serem promovidos. Exemplo esse de um país geograficamente próximo, mas que se pode achar coisa ainda mais cotidiana da própria academia: setores do mercado (e órgãos públicos) que contratam estudantes universitários para supostamente estagiarem, quando, na verdade, tem-se um trabalho que nada tem a ver com o curso da graduação; como para atuarem na função de secretários. Qual a razão, erro estratégico? Por que não contratar um trabalhador com mais experiência e maturidade? Simplesmente porque o trabalhador celetista (não estagiário) viria necessariamente acompanhado de diversos encargos trabalhistas e o mesmo salário mínimo pago ao estudante universitário sairia, no caso do trabalhador, a dois salários mínimos para o empregador – um indo para o trabalhador e outro para... a compra de parlamentares ou fundo eleitoral (?), talvez, se elencadas as possibilidades menos tenebrosas.
Dessa forma, reitera-se novamente a necessidade de se libertar das pré-noções e dos “ídolos” – como se vê como Bacon e Descartes, em qualquer iniciação cientifica – para analisar-se uma questão bastante ideologizada. Necessário perceber que o discurso de que a reforma gerará diretamente empregos é ideológica. Necessário perceber que o discurso de que a reforma põe fim aos direitos conquistados é ideológica. Agora, o trabalhador passa a ser tido como indivíduo, dotado de racionalidade, e, portanto, capaz de negociar, podendo agenciar seu banco de horas com o empregador, sem a figura dos sindicatos (que certamente sofrem com uma crise de representatividade e contestação). No que se refere a férias, como o Prof. Jair esclareceu, a reforma vem para esclarecer a vagueza das “situações excepcionais” de outrora, permitindo o parcelamento dessas em até três vezes. O Home Office, que já existia, agora passa a estar disciplinado e as regras deverão estar expressas no contrato. A terceirização, por sua vez, bastante tratada no referido dia de palestras, passa a ser legalmente explicitada, já que outrora não se sabia a distinção conceitual entre atividade-meio e atividade-fim – apenas se tinha jurisprudência a respeito, na figura da súmula 331 do TST, deixando margem para dúvida, como mostra o número de que quase metade dos processos trabalhistas se dava em relação à terceirização. Os dois últimos pontos representam claramente a conferência de segurança jurídica às relações de trabalho.
Dessa forma, encerra-se primando pela moderação e equilíbrio. Reconhecendo-se a necessidade de modernização e do rompimento com uma legislação centralizadora e autoritária que, muitas vezes, ao contrário do que diz o "senso comum", não necessariamente protege o trabalhador: quando muito, protege a grupos de advogados, que ganham muito dinheiro com passivos trabalhistas, e a máquina estatal judiciária. No outro polo, ficam empregados e empregadores, os primeiros sem empregos; os segundos, demonizados, com uma produtividade reduzida  – quando não se dá a falência  , acabando por diminuir a possibilidade de gerar mais empregos e riquezas. Têm-se, portanto, na proposta e desejo de modernização a maior a aproximação com países mais livres, prósperos e igualitários, como Estados Unidos, Canadá, Austrália, Hong Kong, Chile e Cingapura; e o afastamento de países não muitos simpáticos às liberdades – recheados de legislações trabalhistas que “protegem” seus trabalhadores −, como Venezuela, Coréia do Norte, Bolívia, Nigéria e Congo.


3 comentários:

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  2. Além dos efeitos práticos expostos nesse texto, a reforma trabalhista é também muito bem embasada do ponto de vista filosófico. Os que são contra a reforma, sem saber, imagino, acabam caindo em armadilhas retóricas muito bem explicadas na obra Jardim das Aflições, Olavo de Carvalho, na qual o autor descreve como algumas teorias servem para criar a sua própria realidade. É muito fácil encaixar o crescimento dos “direitos” trabalhistas como uma busca por uma utopia inatingível, pois, veja bem: quanto mais "direitos" - utilizei aspas pois tais direitos protegidos pelos sindicatos atualmente estão longes dos direitos naturais e próximos de mordomias nascidas de políticas discriminatórias, relembrando a origem do salário mínimo - para o trabalhador, menos riquezas são gerada, aumenta-se a pobreza e, logo, mais "direitos" são necessários. Com isso, cria-se um ciclo degenerativo tanto da política e de filosofias sociais como da economia. Na obra supracitada, essas teorias, que servem como morfina para o povo, estariam todas contidas no Jardim de Epicuro, onde a mente humana perderia toda sua capacidade racional e ficaria a esmo da realidade.

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