O contrato social, assim como o Direito, pela óptica de Boaventura
de Sousa Santos, é uma produção de regulação e controle social, busca manter um
certo status quo que agrade a classe
que o produz, a classe que está por trás da ideologia fundante dessa realidade.
Dessa forma, as classes menos favorecidas no quesito econômico e de inserção social
se encontram desfavorecidas nesse contrato social, sendo seu meio de resposta e
emancipação as lutas sociais, tal como a segurança de um salário mínimo e
férias remuneradas. Isto é, a busca por um intersecção entre regulação
(proveniente do direito preestabelecido) e emancipação (dada pelas lutas
sociais das classes desfavorecidas no contrato vigente), bem como traz o
referido autor em seu texto “Poderá o Direito Ser Emancipatório?”.
Ainda apoiado na exposição de Boaventura, tem-se a
manifestação do fascismo social, ou seja, uma dominação explícita de um grupo
sobre o outro, cria verdadeiros “castelos neofeudais” em que há um enorme fosso
impedindo o transito e intercambio entre esses grupos. Esse fosso materialmente
pode ser pequeno, não ultrapassando o limite de poucos quilômetros, mas quando
se analisa os fatos, essa barreira é intercontinental. Com finalidade
elucidativa tem-se o exemplo do Campus da Unesp Franca e o bairro francano Vila
Gosuen, ou mais popularmente “Puxa-Faca”, isto é, de um lado um centro de
produção a transmissão de conhecimento, de outro um centro de violência e
abandono social. Beira a utopia sonhar com a absorção dos jovens residentes
desses bairros (jovens em sua maioria negros, estudantes da rede pública e
trabalhadores desde uma idade mínima “semi-aceitável”) pela universidade
estadual residida em Franca, isto é, falta a esses o chamado capital cultural,
falta o incentivo e a representatividade de seus iguais, ou aqueles que eles
têm por iguais, dentro da instituição.
Visando sanar essa falta de representatividade universidades
brasileiras tomaram a atitude pioneira de estabelecer um programa de cotas para
alunos desfavorecidos em relação à ampla concorrência do vestibular, como a
cota para o ingresso de negros. Com isso, o Partido Democratas, em 2009, buscou
maiores explicações em relação à legitimidade legal desta última estabelecida
na Universidade de Brasília, argumentando que tal medida era inconstitucional,
contrariando princípios constitucionais, como o da igualdade, ao privilegiar
alguns durante o processo seletivo entrou com o pedido ao poder judiciário de
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (a qual denominou-se ADPF
186). Após análise do Supremo Tribunal Federal determinou-se que o sistema de
cotas é válido e legítimo, uma vez que busca efetivar os direitos de igualdade
e cidadania previstos na Constituição Federal de 1988. Tal decisão se torna
importante uma vez que empodera todo um seguimento social, dá lugar de fala a
quem se encontrava até então calado, dá esperanças de um futuro diferente não só
para o jovem que ingressa na universidade com o auxílio de cotas, mas também
por todos aqueles que o cerca.
“Não adianta dar o peixe, tem que ensinar a pescar” era uma
das mais recorrentes argumentações que se fazia quando o intuito era se opor ao
programa “Bolsa Família” há cerca de uma década atrás, quando o tema estava em
árdua discussão, referindo-se à produção de uma população acomodada que vive
nas custas do assistencialismo governamental. Com o programa de cotas, enquanto
uma ação afirmativa, ensina-se a pescar, coloca o anzol na vara do cidadão,
isto é garante uma especialização profissional e uma bagagem de conhecimentos
que propiciará o desenvolvimento social, cultural e econômico do indivíduo em
conjunto com seu grupo social. Dessa forma, a população que está de fora do “castelo
neofeudal” passa a pescar em seu fosso, a quebrar as muralhas que os mantem de
fora, ao mesmo tem em que se emancipam de tudo aquilo que os prendem à uma
realidade degradante e em certo ponto inferior. O importante é não parar as lutas
com a conquista do sistema de cotas, mas evoluir a educação e as possibilidades
garantidas ao amplo público, cotas são uma medida paliativa, a estática desse
movimento significa a transmutação desses novos pescadores em peixes, como diz
o rapper Criolo “é que o anzol da direita fez a esquerdar virar peixe”, ou
seja, permanece, dessa forma, o controle das classes sociais beneficiadas pelo
contrato social sobre aquelas que não estavam presentes no momento de sua
produção.
Felipe Cardoso Scandiuzzi - 1ª ano - Direito
Matutino
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