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sábado, 3 de dezembro de 2016

A natureza do direito



Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou constitucional, após a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 54, interpelada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), que as gestantes tenham o direito de abortar caso o feto seja diagnosticado com anencefalia.
Nesse texto tentarei analisar essa decisão do STF através da junção de argumentação interdisciplinar com o pensamento do sociólogo Pierre Bourdieu.
Para chegar a uma decisão foi feito debates com setores da sociedade, que resultou no julgamento que contou com argumentos de elevado nível.
Primeiramente existe o questionamento se realmente seria um aborto, pois não estaria eliminando uma vida, já que não existe chance de sobrevivência.
A concepção de vida, e de quando ela se inicia e termina, não é consenso no meio acadêmico e nem em outras esferas da sociedade. Porém a existência de vida desde a concepção é defendida por diversas religiões, entre elas muitas de matriz cristã (mais ativamente pelos católicos e neopentecostais) que representam mais de 80% da população brasileira (apesar de ser incorreto afirmar que por ser adepto de uma crença adotará todos os costumes e ideais).
Porém, segundo Bourdieu, a ciência do direito não pode se basear somente na vontade da classe dominante, existindo diversos outros fatores que devem ser levados em consideração. Não sendo válido o argumento que deve ser mantida a proibição do aborto, pois essa é a vontade da maioria.
Pelo princípio da inviabilidade da vida também considera que o aborto não ofenderia os direitos do nascituro (que é assegurado pela legislação desde a concepção), pois o termo correto seria natimorto. 
Também se deve pensar no sofrimento materno e dos demais membros da família, devido ao conhecimento da impossibilidade da geração de vida. Resultando em consequências posteriores, como a mulher tendo oito vezes mais de chances de ter depressão pós-parto, além do que 65% dos fetos não resistirão até o fim da gestação (e os demais apenas alguns minutos após o nascimento).
Todos esses malefícios levaram o aborto, nesse caso em específico, ser conhecido como terapia de interrupção e com o fim de sua criminalização pode ser acompanhado pelos profissionais adequados do Sistema Único de Saúde (SUS).
Bourdieu já afirmava que o direito não está imune as forças externas, sendo impossível não sofrer influência de outros campos científicos. Nesse caso podendo invocar conhecimentos da medicina, biologia e psicologia (como fiz nos parágrafos anteriores) para legitimar suas decisões, sem desviar da realidade.
Um dos principais momentos do julgamento foi o voto do ministro Gilmar Mendes, que através da hermenêutica concluiu que a constituição aceitaria essa modalidade de aborto. O Código Criminal Brasileiro não considera crime a interrupção da gravides quando ela é concebida por violência sexual ou acarreta em risco a gestante, ou seja, estão poupando gravida de um trauma psíquico e de ameaças contra sua vida. Se a gestação do anencefálico for levada a diante poderá resultar em complicações psicológicas traumáticas, justificando a liberação (visto que tem o mesmo objetivo).
Nessa perspectiva do ministro a corte suprema não está legislando ou criando nada novo, e sim interpretando e analisando o que pode ser aceito pelo ordenamento jurídico brasileiro. Estando dentro de suas competências e não usurpando as funções dos outros órgãos na república, como as do legislativo.
Mesmo sendo interessante essa perspectiva do ministro ela não está isenta de crítica, Bourdieu poderia concordar que essa questão pode ser analisada pelos instrumentos da ciência jurídica, mas não é dela que virão suas soluções. Portando a visão do ministro é conservadora, o que não anula a importância da sua decisão.
O judiciário brasileiro está cada vez mais sendo requisitado para resolver questões complexas, como a constitucionalidade do aborto dos anencefálicos. Através do diálogo concluiu o que seria o melhor para a sociedade e aceitável pelo ordenamento jurídico (mesmo que seja contra a vontade da maioria). Vale lembrar que decisões progressistas não estão na natureza do direito (como visto decisões progressistas podem ser justificadas pelo conservadorismo).


João Pedro Costa Moreira – 1º Ano Direito Noturno

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