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domingo, 4 de dezembro de 2016

viver é recordar

          Não é somente sobre o direito à vida do embrião, nem só do direito às decisões acerca do próprio corpo para a mulher. Discutir aborto é tratar também dos costumes, das crenças e tradições de uma sociedade que, por mais heterogênea que seja, há por trás uma ideologia que fala mais alto, se impondo às demais. É preciso compreender a sociedade, portanto, como um conjunto de dinamismos de modo que até mesmo as divergências - individuais e coletivas - se dão num plano da constante transformação e dificilmente, para não dizer nunca, encontram-se imobilizadas. Dessa forma, quando uma instituição do porte do STF toma uma decisão como a permicividade do aborto de fetos anencéfalos, não se discute apenas a questão da ciência, ou apenas a fé. Discute-se a própria sociedade, com toda a sua complexa rede de relações, suas mais diversas opiniões, da chamada classe dominante ao mais marginalizado indivíduo. 
           Seria muito mais fácil, mais cômodo e mais rápido discutir decisões com base numa, e apenas uma, linha de pensamento. Caso se adotasse apenas a biologia, por exemplo, a discussão estaria terminada antes mesmo de começar. A vida é inviável para fetos anencéfalos, cem por cento nascem mortos - se é correto dizer nascer morto. Então, que permita-se abortá-los. Mas o direito não é só biologia, sociologia, psicologia ou todas as outras gias que queiram inventar. Direito também não é só vontade de um, e também não é a soma da vontade de todos. Direito é essa coisa que ninguém entende, coisa de gente inteligente, coisa esquisita que é e não é ao mesmo tempo. Direito está a mercê de todo o conjunto de conhecimento de uma época, de sua episteme, somado ainda a diferentes possibilidades hermenêuticas e interpretativas. O direito representa as lutas existentes dentro da sociedade. Seus resultados são tão efêmeros quanto a própria existência e tão sólidos como as mais velhas tradições humanas. 
          Não é somente sobre o direito à vida do embrião, nem só do direito às decisões acerca do próprio corpo para a mulher. É sobre o que a sociedade é, sobre o que ela quer. Não é unânime, não é mais nem menos verdadeiro que um mito. É um pretexto, uma história. É um conto que se cria para explicar as próprias vontades. É a luta das nossas vidas. É o cotidiano, o praxe e o incomum.

          pedro guilherme tolvo - noturno

        

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