“Um homem conhecido por João Augusto (Gugu) foi linchado por
várias pessoas na Vila de Curuai, região do Lago Grande, no município de Santarém.
O crime aconteceu ontem, domingo. João Augusto, após cometer um assassinato no
sábado na localidade de Cruzador, região do Lago Grande, às margens da
Translago, durante um torneio de futebol, fugiu do local e se embrenhou na
mata. Um morador da área conseguiu localizar João Augusto e o atingiu na perna,
com um tiro de espingarda. A Polícia conseguiu prender João Augusto e levá-lo
para o Centro de Saúde de Curuai. A população revoltada com o crime praticado
por João Augusto invadiu o Centro de Saúde, tirou o acusado das mãos da Polícia
e fez justiça com as próprias mãos.”
Após a leitura da reportagem a qual pertence o trecho acima,
é possível encontrar certa relação entre os elementos sociais que remete às
ideias expressas por Durkheim em “A Divisão do Trabalho Social”.
Primeiramente, é necessário notar que, na concepção
durkheimiana, solidariedade mecânica e solidariedade orgânica apresentam-se,
respectivamente, nas sociedades pré-modernas e modernas. Assim, em tese, as sociedades contemporâneas
deveriam se orientar pela racionalidade ao invés da passionalidade. Porém, como
pode ser observado na reportagem, essa não é a realidade. A influência da
consciência coletiva ainda não foi superada, fazendo da punição como exemplo
uma necessidade para que o crime não ocorra. Apesar de primitivo, o pensamento
tem sua lógica, consistindo essa na repressão de tudo o que é nocivo à
consciência coletiva, ou seja, na eliminação de tudo o que causa medo, que é potencialmente
destrutivo.
O ato de fazer “justiça com as próprias mãos” foi fruto da
revolta da população local. Porém, com que intuito essa população se mobilizou?
Dor e revolta não são os únicos sentimentos responsáveis por tal ação. O
verdadeiro sentimento que impulsiona qualquer manifestação, não sendo esta
exceção, é o medo. O medo advindo da impotência dos que sofrem a perda de que
essa situação volte a ocorrer é o suficiente para que se forme uma consciência
coletiva; assim, a partir de então, as partes recebem cargas valorativas: o
assassino é um mal para a sociedade, o que ele fez é um crime e, portanto, deve
ser punido; do outro lado está a população: vítimas, inocentes que correm
perigo. Assim, para que o equilíbrio social seja restaurado, a sociedade deve
se unir para que aqueles que causaram o distúrbio sejam reprimidos e não voltem
a praticar atos que contrariem a consciência coletiva então formada. Assim, o
linchamento foi a forma de repressão utilizada pela população local.
Mesmo com a predominância da passionalidade, a
solidariedade orgânica não está extinta, podendo ser encontrada na mesma
reportagem. O próprio título (“Tragédia: Homem é linchado após assassinar
comunitário na Vila de Curuai”) é um exemplo, pois, ao afirmar que se trata de
uma tragédia, expressa aversão à repressão. Novamente, uma mistura das duas
solidariedades está presente no 11º comentário ao texto, no qual uma leitora diz que “A justiça de Deus não falha, mas a população não aguenta mais tanta
violência e impunidade. Casos de justiça com as próprias mãos estão mais
comuns, e não se limitam só a vilas ou cidades pequenas, os moradores das
capitais também não estão mais tão tolerantes com a violência. É preciso mais
segurança e mudança nas Leis, para que assim, a população possa confiar na
justiça dos homens”. A ideia de religião ligada à justiça é característica da solidariedade
mecânica, mas a menção de leis já denota preferência pela solidariedade
orgânica, ou seja, pela racionalidade.
Apesar de Durkheim dividir o Direito em
repressivo (passional) ou restitutivo (racional), sociedade alguma pode ser
enquadrada em apenas uma das classificações. O Direito é dinâmico, podendo esta
ser uma característica boa ou ruim de acordo com a maneira com a qual for empregado.
É uma questão de proporção.
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