Enquanto uma multidão colocava para fora da universidade pública uma
excrescência de homem autointitulada “príncipe herdeiro” era impossível
não vir a sua cabeça as imagens de quando havia ingressado na
universidade e tudo o que presenciou desde então. Lembrava que já na
primeira semana de aula se aventurou a viajar para Brasília para
participar da Marcha Nacional pela Reforma Agrária do MST. Sabia que a
concentração de terras, que vinha de séculos no Brasil, era um câncer
que impedia que milhões de trabalhadores pudessem trabalhar e cultivar
seu próprio alimento. Mas não podia imaginar como as coisas se davam por
dentro. Na sua cabeça ficou marcado para sempre a solidariedade entre
os camponeses pobres que estavam há dias viajando à pé para Brasília. Um
dos trabalhadores, com as mãos que indicavam longos e duros anos
trabalhando na lavoura, lhe ofereceu sua marmita, pois sabia que aqueles
estudantes, vindos de Franca, estavam ali para apoiá-los, para
conseguir a reforma agrária “na lei ou na marra”. Para conseguir o tão
esperado pedaço de terra que os latifundiários, assim como seus
antepassados senhores das capitanias hereditárias, negavam ao povo.
Lembrou-se das viagens ao munícipio de Colômbia. A estrada repleta de
buracos e com treminhões passando a toda velocidade. Valia a pena, pois
eram tardes de formação política junto a trabalhadores sem terra de um
movimento chamado OITRA, a maioria formada por ex-cortadores de cana da
região. O que fazíamos era muito pouco, mas havia uma sensação de dar
uma “pancada” nos latifúndios da região de Barretos. Lá não há só
rodeios, botas e “agroboys”. Há, sobretudo, milhares de homens e
mulheres que trabalham 8, 9, 10 ou 12 horas por dia sob o sol, às vezes
sem receber, às vezes sofrendo acidentes, para enriquecer algum
usineiro.
Em seguida, veio a mente a imagem de quando um operário da construção
civil, que há pouco participara de uma duríssima greve contra as grandes
construtoras de fortaleza e começava a dar seus primeiros passos na
política revolucionária, veio lhe elogiar sobre uma intervenção no
Congresso da central sindical Conlutas em Minas gerais dizendo: “Você
está certo. Não podemos apoiar a polícia, ela só serve para reprimir a
peãozada quando saem à lutar por seus direitos. Eu vi isso na última
greve”.
Jamais poderia esquecer-se das madrugadas em claro para organizar a
campanha contra a demissão de sapateiros. Foi onde conheceu os bairros
de Franca. Um município onde a sede de lucros dos patrões das fábricas
de calçados coloca uma disjuntiva para os jovens da cidade: oito horas
infernais em frente a uma máquina para produzir sapatos para madames ou a
criminalidade. Mesmo assim conheceu sapateiros, um em especial, que são
incansáveis. Acordam de madrugada, trabalham durante todo o dia e ainda
há disposição para organizar a resistência de nossa classe, trazer
novos companheiros para a luta, levar cultura para a periferia.
Pensou também nas terceirizadas da limpeza USP. Foram humilhadas e
desrespeitadas pela empresa prestadora de serviços e pela reitoria da
USP. Não abaixaram a cabeça. Essas mulheres, outrora invisíveis, agora
organizavam a luta. Escancaram a podridão dessa corja de burocratas
acadêmicos que administram as universidades públicas e mostraram que a
terceirização é uma verdadeira escravidão do século XXI.
Naquela terça, quando passava pelos portões da UNESP, não podia deixar
de pensar no contraste visível entre a sua sala de aula no curso de
Direito e do galpão onde trabalhava como operador de telemarketing. Nas
salas, um ou dois negros entre dezenas laptops, Tablets, ipod´s e alguns
sorrisos de quem ainda está por descobrir o Brasil. No galpão centenas
de pessoas que já descobriram esse país há algum tempo, na sua maioria
mulheres, negras e homossexuais que passavam oito horas por dia sofrendo
assédio dos chefes para no final do mês conseguir 700 reais e, claro,
enriquecer alguma multinacional que vendia suas “bugigangas”.
Quando voltou a si se deu conta que o “príncipe herdeiro”, com todo seu
ódio contra os trabalhadores, contra os sem terras, contra os negros,
contra os homossexuais, tinha sido colocado para fora da universidade.
Mais tarde pensou: Será que alguém pode achar ruim ter um sujeito como
esse fora das dependências da faculdade? Sim, existem essas pessoas. Na
UNESP Franca elas gritam, clamam pela expulsão do MST da Universidade.
Fazem mil apelos contra a LER-QI. Algumas mais insanas chegam a falar
que se trata do PT. Mas, felizmente, esses indivíduos da UNESP Franca,
que ainda estão por descobrir o Brasil, são apenas perfis de Facebook.
Lá na rede social eles exercem seu “Jus Sperniandi”. Não nos enganemos,
essas pessoas estão corretas e no seu direito. Apenas defendem seus
privilégios de classe. Nenhuma das classes fundamentais da História, ou
aliada delas, saiu de cena sem resistir. O clamor por repressão que
alguns colocam no facebook é o grito que estava preso na garganta de
alguns unespianos. Nada foi criado. As máscaras apenas caíram.
As 200 pessoas, entretanto, que se reuniram na assembleia de ontem
(30/08) mostraram em alto e bom som que não há vacilação, não há medo,
não há divisões. O movimento segue forte. Os apoios não param de chegar
de todo o Brasil. Os partidos de esquerda, os sindicatos, os
trabalhadores da cultura, os que lutam por reforma agrária, os que lutam
contra o trabalho escravo no século XXI, os que lutam contra a
impunidade aos torturadores da ditadura, os que lutam pela efetivação
dos direitos humanos, os que lutam pela liberdade para exercer sua
sexualidade, os que lutam pelo princípio da dignidade da pessoa humana,
não permitirão repressão aos lutadores da UNESP Franca, não permitirão
que grupelhos de extrema-direita triunfem
Então, ele pensou: Sim, valeu a pena!
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