Aprendemos com Durkheim que o direito nas sociedades mais complexas e "evoluídas", por assim dizer, se caracteriza por ser essencialmente restitutivo e técnico, quase racional. O filme Código de Conduta nos leva a refletir sobre a maneira como atua esse direito restitutivo e se ela é realmente eficaz na restauração dos danos causados por um crime. Na história, um pai de família testemunha o cruel assassinato da esposa e da filha, vindo a procurar auxílio no sistema judicial. Entretanto, se decepciona com este ao ver um dos assassinos ser liberado depois que a promotoria aceita um acordo, sob a justificativa de que "alguma justiça é melhor que nenhuma". Como o promotor diz no filme, "não se trata do que você sabe, mas do que você pode provar". Tomado por um sentimento de grande desengano, o personagem principal leva a busca de justiça às próprias mãos, cometendo atos brutais e chegando a se perder um pouco no meio desse turbilhão de emoções.
Apesar de tudo, poderíamos concordar que o objetivo do personagem no início era nobre: evidenciar as falhas e corrupções do sistema judiciário para aqueles que o comandam, e que muitas vezes esquecem os princípios básicos do trabalho que desempenham e deixam que meros fatos técnicos interfiram na obtenção da tão sonhada justiça. Mesmo que de uma maneira distorcida e errada, Clyde consegue provocar um verdadeiro desequilíbrio no sistema, nos levando a questionar essa matemática que o direito restitutivo parece pressupor, e se ela tem realmente tanto poder a ponto de colocar o que é justo e certo em segundo plano.
Além disso, o filme também mostra como essa aplicação do direito pode ser contraditória, visto que Clyde é preso e considerado culpado sem que se pudesse provar nada a seu respeito, o que não acontece com o homem que assassinou sua família. É essa decepção com o que deveria ser incontestavelmente correto, imparcial e que sobretudo deveria proteger os interesses dos que são lesados por atos criminosos que leva Clyde a deixar de acreditar na eficácia do direito e a substituí-la por uma justiça própria, que alcança um patamar muito mais complexo e profundo do que a simples vingança. Ele não quer apenas punir o responsável por aquelas mortes, quer deixar claro que teve que fazer isso com suas próprias mãos unicamente porque a Justiça foi incapaz de fazê-lo de maneira satisfatória. Os atos criminosos que o personagem também comete são vistos por ele como a única alternativa a aceitar a decisão medíocre dos promotores e juízes. É claro que não podemos ignorar os vários aspectos afetivos que influenciam o personagem, e o fato de "justiça" por si só ser um conceito extremamente relativo: para o Estado pode ser uma coisa e para aquele que saiu prejudicado, outra. Mas essas paixões que o movem são as mesmas que sentimos em muitos crimes que ganham repercussão nacional e comovem a população, portanto, podem ser perfeitamente compreendidas por qualquer um.
Por fim, sabemos que o sistema judiciário não é perfeito, porque este é operado por pessoas, e sabemos também que as pessoas não são perfeitas. Elas cometem erros, ignoram muitas coisas que não deveriam ser ignoradas e frequentemente se sentem incapazes de superar a racionalidade predominante no direito para alcançar o que é efetivamente certo. Não há dúvidas de que alguma justiça é melhor do que nenhuma, mas uma justiça plena é sempre melhor do que alguma justiça, e não podemos nos contentar com esta por medo ou simplesmente porque é mais fácil. Não se pode nunca deixar de tentar obter uma justiça completa, mesmo que para isso seja necessário arriscar muito mais. Não é certo nem possível que cada um comece a punir os que lhe prejudicaram por conta própria, pois a sociedade e o Estado se encarregam disso para evitar perturbações sociais, porém a "meia justiça" não pode passar a ser a meta mais alta. Se assim for, as consequências podem ser imensamente piores para aqueles que forem danificados, e, uma vez que falhamos em reparar um dano simplesmente por falta de esforço ou vontade, estamos causando um dano muito maior. O filme mostra claramente que nem sempre "só o que podemos provar" é que deve ser levado em consideração, afinal, o direito por si só já é um mistério, cuja aplicação pode muito bem, infelizmente, ser falha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário