De início, cabe discorrer sobre o passado brasileiro escravocrata e as consequências contemporâneas desse sistema. Em linhas gerais, a escravidão, majoritariamente africana, impelia condições desumanas de trabalho, sendo justificada pelo papel “civilizatório” que continha e articulada por intermédio violência. Nessa perspectiva, era criada uma imagem de inferioridade do africano escravizado. Posto isso, conquanto muitas conquistas tenham sido realizadas posteriormente, como aquela referente à Lei Áurea, de 1888, a qual declarava extinta a escravidão no Brasil, essas apresentaram-se apenas como formalizações legais inoperantes, já que, embora concedessem liberdade aos escravos, não se preocupavam em promover meios que possibilitassem a inserção desses na sociedade. Com isso, o que ocorreu foi, na verdade, a perpetuação da marginalização e do preconceito em relação aos recém-libertos.
Nesse
sentido, apesar de não ser mais permitida a escravidão, a população negra é,
ainda, desapertada de condições dignas nas mais diversas áreas do cotidiano
brasileiro. Isso pode ser observado visto que a população em questão se mostra
arduamente afastada do ensino público superior, por exemplo. Desse modo, na
tentativa de reparar os danos notórios de violência acometidas contra aqueles
que não integravam o grupo dominante europeu, surge a proposta de instituir as
cotas raciais nessas instituições. Como resultado, em abril de 2012 foi
realizado julgamento da ADPF 186, a qual julgou como improcedente a
proposta do DEM, que defendia acontecer danos sobejos caso o critério racial
fosse levado em consideração no que tange às matrículas em universidades,
sendo, por unanimidade, deliberado que tais eram fundamentais, visto que
funcionavam como uma forma de ação afirmativa capaz de corrigir e equalizar as
desigualdades sociais, econômicas e, por conseguinte, educacionais decorrentes
do preconceito histórico contra negros.
Nessa
conjuntura, é de suma importância afirmar que os artigos da Constituição permanecem
respeitados mesmo com a implementação das cotas étnico-raciais. Isso pode ser
observado a partir da análise do documento em questão. Em linhas gerais, quanto
aos artigos 1º, inciso III; 3º, inciso IV; 4º, inciso VIII, por exemplo – os quais
versam acerca dos Direitos Fundamentais -, tem-se que o projeto abordado não
descumpre com nenhuma pretensão presente nesses, sendo, sobretudo, uma medida em
consonância aos seus princípios, e funcionando, então, como uma forma de efetivação
dos ideais propostos. Ademais, em relação aos artigos que discorrem sobre o
direito à educação e os deveres do Estado para garantir isso, posto que o
objetivo das cotas raciais é ampliar o acesso ao ensino superior público, não
há, novamente, uma discordância com o dispositivo constitucional.
Transpondo
o tema para a sociologia, muito há de se debater sobre. Em suma, segundo Maus, fruto da denominada “Magistratura
do Sujeito”, foi possibilitada a amparo dos sujeitos mais desprotegidos pelo
Direito, uma vez que esses passaram a fazer parte desse campo. Em outras
palavras, grandes cargos passaram ocupados por indivíduos não integrantes dessa
elite, o que deu espaço para mudanças. Ainda mais, é válido ressaltar que, notadamente,
o reconhecimento estatal é conquistado somente após movimentos sociais, o que
faz referência ao conceito de “Espaços dos Possíveis”, sintetizado por
Bourdieu, o qual coloca o Direito como um instrumento sujeito às demandas
sociais.
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