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sábado, 19 de novembro de 2022

            De início, cabe discorrer sobre o passado brasileiro escravocrata e as consequências contemporâneas desse sistema. Em linhas gerais, a escravidão, majoritariamente africana, impelia condições desumanas de trabalho, sendo justificada pelo papel “civilizatório” que continha e articulada por intermédio violência. Nessa perspectiva, era criada uma imagem de inferioridade do africano escravizado. Posto isso, conquanto muitas conquistas tenham sido realizadas posteriormente, como aquela referente à Lei Áurea, de 1888, a qual declarava extinta a escravidão no Brasil, essas apresentaram-se apenas como formalizações legais inoperantes, já que, embora concedessem liberdade aos escravos, não se preocupavam em promover meios que possibilitassem a inserção desses na sociedade. Com isso, o que ocorreu foi, na verdade, a perpetuação da marginalização e do preconceito em relação aos recém-libertos.

Nesse sentido, apesar de não ser mais permitida a escravidão, a população negra é, ainda, desapertada de condições dignas nas mais diversas áreas do cotidiano brasileiro. Isso pode ser observado visto que a população em questão se mostra arduamente afastada do ensino público superior, por exemplo. Desse modo, na tentativa de reparar os danos notórios de violência acometidas contra aqueles que não integravam o grupo dominante europeu, surge a proposta de instituir as cotas raciais nessas instituições. Como resultado, em abril de 2012 foi realizado julgamento da ADPF 186, a qual julgou como improcedente a  proposta do DEM, que defendia acontecer danos sobejos caso o critério racial fosse levado em consideração no que tange às matrículas em universidades, sendo, por unanimidade, deliberado que tais eram fundamentais, visto que funcionavam como uma forma de ação afirmativa capaz de corrigir e equalizar as desigualdades sociais, econômicas e, por conseguinte, educacionais decorrentes do preconceito histórico contra negros.

            Nessa conjuntura, é de suma importância afirmar que os artigos da Constituição permanecem respeitados mesmo com a implementação das cotas étnico-raciais. Isso pode ser observado a partir da análise do documento em questão. Em linhas gerais, quanto aos artigos 1º, inciso III; 3º, inciso IV; 4º, inciso VIII, por exemplo – os quais versam acerca dos Direitos Fundamentais -, tem-se que o projeto abordado não descumpre com nenhuma pretensão presente nesses, sendo, sobretudo, uma medida em consonância aos seus princípios, e funcionando, então, como uma forma de efetivação dos ideais propostos. Ademais, em relação aos artigos que discorrem sobre o direito à educação e os deveres do Estado para garantir isso, posto que o objetivo das cotas raciais é ampliar o acesso ao ensino superior público, não há, novamente, uma discordância com o dispositivo constitucional.

Transpondo o tema para a sociologia, muito há de se debater sobre.  Em suma, segundo Maus, fruto da denominada “Magistratura do Sujeito”, foi possibilitada a amparo dos sujeitos mais desprotegidos pelo Direito, uma vez que esses passaram a fazer parte desse campo. Em outras palavras, grandes cargos passaram ocupados por indivíduos não integrantes dessa elite, o que deu espaço para mudanças. Ainda mais, é válido ressaltar que, notadamente, o reconhecimento estatal é conquistado somente após movimentos sociais, o que faz referência ao conceito de “Espaços dos Possíveis”, sintetizado por Bourdieu, o qual coloca o Direito como um instrumento sujeito às demandas sociais.

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