Em um primeiro momento,
cabe salientar que o voto-vista do Ministro Barroso sobre a criminalização do
aborto no primeiro trimestre de gravidez foi efetuado no ano de 2016, data em
que muitas coisas ainda eram diferentes do ponto de vista político e ideológico
no Brasil. Desde lá muita coisa mudou, e a cada dia mais a nação
verdeamarelista acaba por ser lançada ao mural das soluções fáceis e agressivas
do reacionarismo muito ideológico e pouco racional.
Conhecido muitas vezes
por seu progressismo seletivo, a argumentação de Barroso fundamenta-se no caráter
ilegítimo e inconstitucional da criminalização do aborto, norteado pela ideia
plausível calcada nos direitos fundamentais do ser humano e na proteção aos
direitos reprodutivos e sexuais das mulheres - pautas exemplares e vítimas de
constantes ataques de grupos conservadores nos últimos anos. Sobre esses, vale
a análise curiosa que desenvolvem acerca do papel do Estado, imaginando-o como
uma entidade que deva ser cada vez mais reduzida e existir apenas em nome da
liberdade irrestrita individual, ao mesmo tempo em que busca punir todos os que
desempenham uma ação que deveria decorrer da livre escolha, mas que atenta
contra o rol de princípios comuns ao grupo pouquíssimo democrático.
Possibilitando uma
análise técnica daquilo colocado por Sara Araújo, o abismo existente entre o “norte”
e o “sul” como entidades além do plano geográfico no caso em questão se
manifesta na esfera econômica e social das nações não hegemônicas, à medida que
essas se encontram em um caráter constante e irrestrito de exploração
econômica, social e mental. Quando o ministro do STF cita os “países mais
desenvolvidos” como páreas internacionais em um caminho exemplar a ser seguido,
o faz sem perceber, mas manifesta em sua fala o falso paralelo de nações
construídas para pensar e nações corroídas pelo pensamento dessas.
Com
sua formação majoritariamente cristã, é comum visualizar muitos brasileiros fazendo
uso do senso comum para dizer que a mente fechada de povo latino no que se
refere ao aborto é algo intrínseco ao seu desenvolvimento histórico. Contudo,
cai por terra tal afirmativa quando observamos a Alemanha – o berço do
protestantismo e, ainda assim, favorável ao aborto no primeiro trimestre de
gravidez. Tal constatação nos permite perceber que a questão brasileira está na
falta de diálogo, na alienação e na lacuna de tempo ínfima de um povo criado
para ser combustível e não operador. Aí mora a monocultura do global e universal,
oferecendo saídas simplistas e insuficientes, além de obstruir os canais de
crítica a um problema posto e instalado por vias “superiores”.
Por
fim, é interessante observar que Sara Araújo chama a atenção ao direito neutro,
distante, racional e objetivo como ferramenta de dominação, o exato quadro
observado em um sistema normativo de 1940 e que, até hoje, rende seus frutos de
tempos sombrios e nulos do ponto de vista social. Evidente é o viés
institucional opressivo de um conjunto de normas que pune o pobre por assim
ser, enquanto libera ao mais abastado a oportunidade de ouro de não responder
criminalmente pela mesma atitude. Como diria Fábio Brazza: “Melhor que ser
filho de Deus é ser filho de deputado”.
Pedro Basaglia, 1° ano - Noturno
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