Total de visualizações de página (desde out/2009)

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

A linha abissal e o voto de Barroso: Crime de quem?

 

Em um primeiro momento, cabe salientar que o voto-vista do Ministro Barroso sobre a criminalização do aborto no primeiro trimestre de gravidez foi efetuado no ano de 2016, data em que muitas coisas ainda eram diferentes do ponto de vista político e ideológico no Brasil. Desde lá muita coisa mudou, e a cada dia mais a nação verdeamarelista acaba por ser lançada ao mural das soluções fáceis e agressivas do reacionarismo muito ideológico e pouco racional.

Conhecido muitas vezes por seu progressismo seletivo, a argumentação de Barroso fundamenta-se no caráter ilegítimo e inconstitucional da criminalização do aborto, norteado pela ideia plausível calcada nos direitos fundamentais do ser humano e na proteção aos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres - pautas exemplares e vítimas de constantes ataques de grupos conservadores nos últimos anos. Sobre esses, vale a análise curiosa que desenvolvem acerca do papel do Estado, imaginando-o como uma entidade que deva ser cada vez mais reduzida e existir apenas em nome da liberdade irrestrita individual, ao mesmo tempo em que busca punir todos os que desempenham uma ação que deveria decorrer da livre escolha, mas que atenta contra o rol de princípios comuns ao grupo pouquíssimo democrático.

Possibilitando uma análise técnica daquilo colocado por Sara Araújo, o abismo existente entre o “norte” e o “sul” como entidades além do plano geográfico no caso em questão se manifesta na esfera econômica e social das nações não hegemônicas, à medida que essas se encontram em um caráter constante e irrestrito de exploração econômica, social e mental. Quando o ministro do STF cita os “países mais desenvolvidos” como páreas internacionais em um caminho exemplar a ser seguido, o faz sem perceber, mas manifesta em sua fala o falso paralelo de nações construídas para pensar e nações corroídas pelo pensamento dessas.

            Com sua formação majoritariamente cristã, é comum visualizar muitos brasileiros fazendo uso do senso comum para dizer que a mente fechada de povo latino no que se refere ao aborto é algo intrínseco ao seu desenvolvimento histórico. Contudo, cai por terra tal afirmativa quando observamos a Alemanha – o berço do protestantismo e, ainda assim, favorável ao aborto no primeiro trimestre de gravidez. Tal constatação nos permite perceber que a questão brasileira está na falta de diálogo, na alienação e na lacuna de tempo ínfima de um povo criado para ser combustível e não operador. Aí mora a monocultura do global e universal, oferecendo saídas simplistas e insuficientes, além de obstruir os canais de crítica a um problema posto e instalado por vias “superiores”.

            Por fim, é interessante observar que Sara Araújo chama a atenção ao direito neutro, distante, racional e objetivo como ferramenta de dominação, o exato quadro observado em um sistema normativo de 1940 e que, até hoje, rende seus frutos de tempos sombrios e nulos do ponto de vista social. Evidente é o viés institucional opressivo de um conjunto de normas que pune o pobre por assim ser, enquanto libera ao mais abastado a oportunidade de ouro de não responder criminalmente pela mesma atitude. Como diria Fábio Brazza: “Melhor que ser filho de Deus é ser filho de deputado”.

Pedro Basaglia, 1° ano - Noturno

Nenhum comentário:

Postar um comentário