Acerca do poder dos tribunais na contemporaneidade, Michael W. McCann aponta para uma perspectiva distinta daquela costumeiramente seguida – a qual foca exclusivamente nas ações dos tribunais e os coloca como os principais atores desse fenômeno. Ele propõe analisar tal fenômeno a partir da ótica dos usuários dos serviços dos tribunais, isto é, busca compreender tal fenômeno analisando os diversos atores sociais envolvidos neste processo.
Assim surge o conceito de mobilização do direito, entendida
como “ações de indivíduos, grupos ou organizações em busca da realização de seus
interesses e valores” (MCCANN, p. 182).
Esse conceito foca na ação dos indivíduos e coloca o tribunal como um dos
atores desse num complexo fenômeno – e não como o principal agente deste.
A ADPF 742 é um exemplo de mobilização do direito por
entidades engajadas na luta pelos direitos das comunidades quilombolas e sua
decisão contém vários exemplos da influência dos tribunais nas disputas entres
os grupos sociais que mobilizam o direito.
O trecho a seguir é um exemplo do poder direto do tribunal
visto que encerra uma disputa entre as partes envolvidas em um processo
O CNDH afirma que o plano adota medidas
genéricas, sem a devida destinação orçamentária e metodologia específica de
monitoramento (eDOC 27). No tocante à meta 1.6, que consiste em “contribuir com
o fornecimento de água potável para comunidades quilombolas”, encontra-se
igualmente deficitária, pois se limita a informar como se dá a política pública
ordinária, sem fazer nenhuma adição em termos de medidas emergenciais para as
comunidades quilombolas. Tal política pública, ademais, encontra-se restrita a
oito unidades da federação. Assim, o CNDH requer (a) medidas complementares
para garantia de acesso à água, bem como (b) a extensão de tais medidas a todas
as unidades em que há comunidades quilombolas. (BRASIL, 2021).
E completa elencando “políticas que os demais devem seguir”
(MCCANN, p. 183):
Organizei essas questões nos seguintes itens, intimando a União:
c.1.6) fornecimento de água potável a todas
as unidades da federação em que há comunidades quilombolas durante a pandemia;
c.3) segurança alimentar:
c.3.1) aporte específico do Programa
Nacional de Alimentação Escolar às comunidades quilombolas;
c.3.2) detalhamento da forma de
distribuição da merenda escolar aos estudantes das comunidades quilombolas;
c.3.3) abrangência de todos os Estados;
c.3.4) cronograma e mapeamento de execução
de créditos extraordinários para aquisição e distribuição de cestas básicas;
c.3.5) defasagem das bases cadastrais para
o acesso ao programa de renda mínima, necessidade da exigência de celular para
cada cadastro e funcionamento da plataforma na modalidade offline. (BRASIL, 2021).
Dessa forma, McCann esclarece que o poder de influência
direta causado pelos tribunais resultada das decisões destes, pois estas modificarão
e determinarão medidas a serem tomadas pelos atores envolvidos no processo.
Portanto, o tribunal determina diretamente as ações que ocorrerão por meio da sentença
proferida.
Além do poder direto, causado pelas decisões dos tribunais,
McCann chama atenção para o poder indireto, capaz de influenciar disputas
futuras. Isso porque a decisão de um tribunal abre precedentes sobre
determinada questão, o que pode influenciar o surgimento de novas disputas ou
alterar a logica de outras. Tomando novamente o exemplo exposto, a decisão
favorável aos grupos quilombolas abre o precedente para outras demandas destes,
visto a vitória nesta disputa, como também alterar outras disputas judiciais em
curso, visto que a decisão emana do mais alto patamar hierárquico do Judiciário
brasileiro.
À luz de McCann, a ADPF 742 mostra-se como resultado de uma
disputa travada por grupos sociais, dentre eles os que lutam pelos direitos dos
quilombolas e que os mobilizam de forma a garanti-los. Portanto, não se pode
compreender que o tribunal tem papel central nestas disputas, visto que elas
são reflexos de lutas sociais travadas por diferentes grupos e atores sociais,
não derivando de uma decisão uma de um tribunal; mas eles ocupam papel de suma
importância, pois podem modificar a lógica e contexto das atuais e futuras
lutas sociais.
Bibliografia
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 742. Brasília, 23 de junho de 2021.
McCANN, Michael. “Poder Judiciário e mobilização do direito:
uma perspectiva dos “usuários”. In: Anais do Seminário Nacional sobre Justiça
Constitucional. Seção Especial da Revista Escola da Magistratura Regional
Federal da 2ª. Região/Emarf, p. 175-196.
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