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quarta-feira, 17 de novembro de 2021

ANÁLISE DA ADPF 742 SOB A PERSPECTIVA DE MICHAEL W. MCCANN

 Acerca do poder dos tribunais na contemporaneidade, Michael W. McCann aponta para uma perspectiva distinta daquela costumeiramente seguida – a qual foca exclusivamente nas ações dos tribunais e os coloca como os principais atores desse fenômeno. Ele propõe analisar tal fenômeno a partir da ótica dos usuários dos serviços dos tribunais, isto é, busca compreender tal fenômeno analisando os diversos atores sociais envolvidos neste processo.

Assim surge o conceito de mobilização do direito, entendida como “ações de indivíduos, grupos ou organizações em busca da realização de seus interesses e valores” (MCCANN, p. 182).  Esse conceito foca na ação dos indivíduos e coloca o tribunal como um dos atores desse num complexo fenômeno – e não como o principal agente deste.

A ADPF 742 é um exemplo de mobilização do direito por entidades engajadas na luta pelos direitos das comunidades quilombolas e sua decisão contém vários exemplos da influência dos tribunais nas disputas entres os grupos sociais que mobilizam o direito.

O trecho a seguir é um exemplo do poder direto do tribunal visto que encerra uma disputa entre as partes envolvidas em um processo

 

    O CNDH afirma que o plano adota medidas genéricas, sem a devida destinação orçamentária e metodologia específica de monitoramento (eDOC 27). No tocante à meta 1.6, que consiste em “contribuir com o fornecimento de água potável para comunidades quilombolas”, encontra-se igualmente deficitária, pois se limita a informar como se dá a política pública ordinária, sem fazer nenhuma adição em termos de medidas emergenciais para as comunidades quilombolas. Tal política pública, ademais, encontra-se restrita a oito unidades da federação. Assim, o CNDH requer (a) medidas complementares para garantia de acesso à água, bem como (b) a extensão de tais medidas a todas as unidades em que há comunidades quilombolas. (BRASIL, 2021).

 

E completa elencando “políticas que os demais devem seguir” (MCCANN, p. 183):

 

  Organizei essas questões nos seguintes itens, intimando a União:

    c.1.6) fornecimento de água potável a todas as unidades da federação em que há comunidades quilombolas durante a pandemia;

    c.3) segurança alimentar:

    c.3.1) aporte específico do Programa Nacional de Alimentação Escolar às comunidades quilombolas;

    c.3.2) detalhamento da forma de distribuição da merenda escolar aos estudantes das comunidades quilombolas;

    c.3.3) abrangência de todos os Estados;

    c.3.4) cronograma e mapeamento de execução de créditos extraordinários para aquisição e distribuição de cestas básicas;

    c.3.5) defasagem das bases cadastrais para o acesso ao programa de renda mínima, necessidade da exigência de celular para cada cadastro e funcionamento da plataforma na modalidade offline. (BRASIL, 2021).

 

Dessa forma, McCann esclarece que o poder de influência direta causado pelos tribunais resultada das decisões destes, pois estas modificarão e determinarão medidas a serem tomadas pelos atores envolvidos no processo. Portanto, o tribunal determina diretamente as ações que ocorrerão por meio da sentença proferida.

Além do poder direto, causado pelas decisões dos tribunais, McCann chama atenção para o poder indireto, capaz de influenciar disputas futuras. Isso porque a decisão de um tribunal abre precedentes sobre determinada questão, o que pode influenciar o surgimento de novas disputas ou alterar a logica de outras. Tomando novamente o exemplo exposto, a decisão favorável aos grupos quilombolas abre o precedente para outras demandas destes, visto a vitória nesta disputa, como também alterar outras disputas judiciais em curso, visto que a decisão emana do mais alto patamar hierárquico do Judiciário brasileiro.

À luz de McCann, a ADPF 742 mostra-se como resultado de uma disputa travada por grupos sociais, dentre eles os que lutam pelos direitos dos quilombolas e que os mobilizam de forma a garanti-los. Portanto, não se pode compreender que o tribunal tem papel central nestas disputas, visto que elas são reflexos de lutas sociais travadas por diferentes grupos e atores sociais, não derivando de uma decisão uma de um tribunal; mas eles ocupam papel de suma importância, pois podem modificar a lógica e contexto das atuais e futuras lutas sociais.


Bibliografia


BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 742. Brasília, 23 de junho de 2021.

McCANN, Michael. “Poder Judiciário e mobilização do direito: uma perspectiva dos “usuários”. In: Anais do Seminário Nacional sobre Justiça Constitucional. Seção Especial da Revista Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª. Região/Emarf, p. 175-196.


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