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quinta-feira, 18 de novembro de 2021

McCann & ADI 4.277 + ADO 26

Michael W. McCann é professor na Universidade de Washington e PhD em Ciência Política pela Universidade da Califórnia, sendo autor de diversos livros e artigos. Dentre esses trabalhos está “Poder Judiciário e mobilização do direito: uma perspectiva dos “usuários”, em que McCann reconhece o crescente papel de destaque em que os tribunais ao redor do mundo têm estado, sendo o peso das decisões de juízes sobre diversas questões, como as que dizem respeito aos direitos de minorias étnico-raciais e aos limites da reprodução humana, um exemplo disso. Evidentemente, esse fenômeno de expansão do Judiciário é um objeto de estudo muito recorrente na área de ciências políticas e por isso, muitas são as explicações sobre as suas origens.

Assim, McCann ao contribuir com o tema, diverge de outras hipóteses existentes ao falar sobre a mobilização do direito, pois diferentemente dessas outras explicações (que ele cita e melhor explica ao longo do artigo), o seu foco reside nos usuários desse sistema de justiça e não nos tribunais em si. Para ele, a mobilização do direito “se refere às ações de indivíduos, grupos ou organizações em busca da realização de seus interesses e valores. ”, em que a importância dos tribunais reside no fato de serem: “o contexto no qual os usuários da Justiça se engajam em uma mobilização do direito.”.  Além disso, ao falar do poder constitutivo da autoridade judicial como um dos níveis em que os tribunais mobilizam o direito, McCann argumenta que os tribunais desempenham papel importantíssimo ao “refinar, complementar e ampliar essa linguagem do direito dentro da sociedade. ”. Linguagem essa, como ele explica: “que as pessoas conhecem, esperam, aspiram e se sentem portadores”

Nessa configuração, fala-se da interpretação constitucional. Para o professor, as constituições são a linguagem básica de um território – é nelas que se é possível encontrar os valores, princípios e lógicas de um povo. A interpretação das constituições pelos tribunais, portanto, "afirma visões de uma boa e legítima sociedade, visões que outros são encorajados a aceitar. ” O poder constitutivo da autoridade judicial, antes mencionado, é expresso “no legado cultural acumulado das ações judiciais e práticas de rotina ao longo do tempo. Essas convenções jurídicas são, por sua vez, apreendidas, internalizadas e normalizadas pelos cidadãos através de muitas formas de participação cultural”. Nesse sentido, cabe aqui falar sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277 Distrito Federal. Essa decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união homoafetiva como um núcleo familiar em 2011.

Os juízes do Supremo Tribunal Federal (STF), nesse caso, interpretaram a constituição no sentido de reconhecer que o não reconhecimento dessa união implicaria no ferimento dos preceitos de liberdade e igualdade e o princípio da dignidade da pessoa humana, assegurados pela Constituição Federal. Mas até que se chegasse nessa decisão, certamente, foi necessário que houvesse uma mobilização do direito pela população LGBT+ para que seus direitos, por muito tempo negados, fossem garantidos e assegurados. Essa decisão, fruto da mobilização do direito pelos indivíduos e da interpretação constitucional (que representa justamente o refinamento, a complementação e a ampliação da linguagem do direito justamente como McCann explica) acaba por afirmar certa visão e encoraja que o resto da sociedade a aceite. Espera-se, dessa forma, que com o tempo, essa convenção jurídica acabe internalizada nos indivíduos, além de normalizada.

E de fato, é possível atestar que isso ocorre com um recente acontecimento. Um comentário homofóbico do jogador da seleção brasileira de vôlei, Maurício Souza, gerou uma grande repercussão nas redes sociais. Cabe citar que, para além da ADI 4.277, o Supremo Tribunal Federal decidiu, em 2019, pela criminalização da homofobia e da transfobia (por meio de uma ADO – Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, a ADO 26). Em um tempo passado, o comentário do jogador passaria provavelmente despercebido e não ganharia a proporção que ganhou – o jogador, inclusive, ganhou um grande número de seguidores nas redes sociais -, contudo, o protagonismo dos tribunais pela ótica dos “usuários” e as suas decisões contribuem para a criação de novas apreensões da sociedade sobre determinados temas. Portanto, decisões como a da criminalização da homofobia fomentam uma nova atmosfera e preparam um terreno em que situações como a do jogador de vôlei provavelmente não passarão mais despercebidas e mais, serão combatidas. Justamente porque “os conhecimentos, convenções e justificativas legais fundamentais transmitidas pelos tribunais são reproduzidos e reforçados no interior de múltiplas práticas, relações e arranjos que estruturam a vida diária por toda a sociedade. ”

Laura Ruas / Direito Matutino

 

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