Michael
W. McCann é professor na Universidade de Washington e PhD em Ciência Política pela
Universidade da Califórnia, sendo autor de diversos livros e artigos. Dentre
esses trabalhos está “Poder Judiciário e mobilização do direito: uma
perspectiva dos “usuários”, em que McCann reconhece o crescente papel de
destaque em que os tribunais ao redor do mundo têm estado, sendo o peso das
decisões de juízes sobre diversas questões, como as que dizem respeito aos
direitos de minorias étnico-raciais e aos limites da reprodução humana, um
exemplo disso. Evidentemente, esse fenômeno de expansão do Judiciário é um objeto
de estudo muito recorrente na área de ciências políticas e por isso, muitas são
as explicações sobre as suas origens.
Assim,
McCann ao contribuir com o tema, diverge de outras hipóteses existentes ao
falar sobre a mobilização do direito,
pois diferentemente dessas outras explicações (que ele cita e melhor explica ao
longo do artigo), o seu foco reside nos usuários desse sistema de justiça e não
nos tribunais em si. Para ele, a mobilização do direito “se refere às ações de
indivíduos, grupos ou organizações em busca da realização de seus interesses e
valores. ”, em que a importância dos tribunais reside no fato de serem: “o
contexto no qual os usuários da Justiça se engajam em uma mobilização do
direito.”. Além disso, ao falar do poder
constitutivo da autoridade judicial como um dos níveis em que os tribunais
mobilizam o direito, McCann argumenta que os tribunais desempenham papel
importantíssimo ao “refinar, complementar e ampliar essa linguagem do direito dentro da sociedade. ”. Linguagem essa, como
ele explica: “que as pessoas conhecem, esperam, aspiram e se sentem portadores”
Nessa
configuração, fala-se da interpretação constitucional. Para o professor, as
constituições são a linguagem básica de um território – é nelas que se é
possível encontrar os valores, princípios e lógicas de um povo. A interpretação
das constituições pelos tribunais, portanto, "afirma visões de uma boa e
legítima sociedade, visões que outros são encorajados a aceitar. ” O poder
constitutivo da autoridade judicial, antes mencionado, é expresso “no legado
cultural acumulado das ações judiciais e práticas de rotina ao longo do tempo.
Essas convenções jurídicas são, por sua vez, apreendidas, internalizadas e
normalizadas pelos cidadãos através de muitas formas de participação cultural”.
Nesse sentido, cabe aqui falar sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277 Distrito Federal.
Essa decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união homoafetiva
como um núcleo familiar em 2011.
Os juízes
do Supremo Tribunal Federal (STF), nesse caso, interpretaram a constituição no
sentido de reconhecer que o não reconhecimento dessa união implicaria no ferimento dos preceitos de liberdade e
igualdade e o princípio da dignidade da pessoa humana, assegurados pela
Constituição Federal. Mas até que se chegasse nessa decisão, certamente, foi
necessário que houvesse uma mobilização do direito pela população LGBT+ para
que seus direitos, por muito tempo negados, fossem garantidos e assegurados.
Essa decisão, fruto da mobilização do direito pelos indivíduos e da
interpretação constitucional (que representa justamente o refinamento, a
complementação e a ampliação da linguagem do direito justamente como McCann
explica) acaba por afirmar certa visão e encoraja que o resto da sociedade a
aceite. Espera-se, dessa forma, que com o tempo, essa convenção jurídica acabe
internalizada nos indivíduos, além de normalizada.
E de fato, é possível atestar que isso ocorre com um recente acontecimento. Um comentário homofóbico do jogador da seleção brasileira de vôlei, Maurício Souza, gerou uma grande repercussão nas redes sociais. Cabe citar que, para além da ADI 4.277, o Supremo Tribunal Federal decidiu, em 2019, pela criminalização da homofobia e da transfobia (por meio de uma ADO – Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, a ADO 26). Em um tempo passado, o comentário do jogador passaria provavelmente despercebido e não ganharia a proporção que ganhou – o jogador, inclusive, ganhou um grande número de seguidores nas redes sociais -, contudo, o protagonismo dos tribunais pela ótica dos “usuários” e as suas decisões contribuem para a criação de novas apreensões da sociedade sobre determinados temas. Portanto, decisões como a da criminalização da homofobia fomentam uma nova atmosfera e preparam um terreno em que situações como a do jogador de vôlei provavelmente não passarão mais despercebidas e mais, serão combatidas. Justamente porque “os conhecimentos, convenções e justificativas legais fundamentais transmitidas pelos tribunais são reproduzidos e reforçados no interior de múltiplas práticas, relações e arranjos que estruturam a vida diária por toda a sociedade. ”
Laura Ruas / Direito Matutino
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