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sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Deslocando os espaços do possível.

            O debate a respeito do aborto tem como camada externa o embate entre religião e ciência, tendo em vista que sob a perspectiva religiosa e cientifica existem diferentes definições do conceito de inicio da vida, no entanto a análise do julgado da ADPF 54- pedida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, no qual a igreja Universal se manifestou à favor da interrupção da gravidez nos casos de anencefalia, e alguns poucos biólogos e médicos se manifestaram contra findar a gestão nestas mesma condições, nos da indícios de que a camada interna da discussão do aborto sempre é permeada por um problema mais profundo, arraigado e inviabilizado de nossa sociedade: a desigualdade de gêneros.
            As mulheres sofrem uma violência simbólica (e muitas vezes física) da ideologia machista que é dominante na sociedade e crescem sem ter liberdade de escolha sobre o seu corpo. A sexualidade feminina é trata como objeto, servindo para a procriação ou satisfação da sexualidade masculina, consequentemente a mulher não tem direito a escolha em prosseguir com uma gestação ou não.
            Em nosso país o aborto é criminalizado, sendo considerado um crime que atenta contra a vida. Na pratica a criminalização do aborto é mais uma lei penal que só pune quem é pobre, a criminalização do aborto não impede que milhares de abortos ocorram todos os anos, e que mulheres pobres - que não tem acesso a nenhum apoio psicológico e médico - morram todos os dias em clínicas clandestinas ou com remédios ilegais. A lei pune a mulher que comete o aborto, como se não bastasse à punição que a mulheres recebem da família, da igreja, sociedade e muitas vezes delas mesmas (afinal se trata de um procedimento fisicamente e psicologicamente traumático), mascarando quais são as verdadeiras implicações que envolvem o aborto.
            A descriminalização e a legalização do aborto - que é criminalizado no papel, mas não promove nenhum efeito pratico e banaliza o Direito Penal - trariam mudanças na maneira como o aborto é tratado na sociedade, é possível pontuar que a legalização transladaria o aborto da esfera penal para a esfera de politicas pública de saúde, desse modo campanhas de prevenção seriam intensificadas e caso uma gestação indesejada ocorresse, a mulher teria a liberdade de escolha e a assistência médica necessária.
            A decisão proferida recentemente pelo Ministro Barroso e o julgamento da ADPF 54 (que permitiu a interrupção da gravidez nos casos anencefalia) demostram que o Direito está sendo utilizado como instrumento de emancipação, apesar do longo caminho para alcança a igualdade de gênero, essas decisões são pequenos passos que os movimentos feministas conquistaram dentro dos espaços dos possíveis, descritos na obra do pensador Pierre Bordieu.
            Bordieu fala em sua obra da violência simbólica que um grupo dominante submete outra classe, que analogamente pode ser observado na criminalização do aborto, os valores dominantes (machismos e desigualdade de gênero ) da burguesia cristã e patriarcal são utilizados para submissão das classes mais pobres e submissão das mulheres que sofrem a violência simbólica ao ter seu direito de liberdade cerceado.
            A criminalização do aborto – até em casos como da ADPF – é um exemplo da instrumentalização do Direito descrito na obra de Bordieu, e até os votos do julgado apresentam o formalismo e os limites impostos pelo Direito supostamente neutro. No entanto é nos espaços do possível que a luta feminista ganha visibilidade, pois Bordieu afirma que no texto jurídico estão em jogo lutas, e a leitura ( hermenêutica ) é uma maneira de apropriação da força simbólica que nele se encontra em estado potencial.
            Essa força simbólica potencial se encontra em elementos como a dignidade da pessoa humana, o principio da legalidade,  a liberdade e autônima de vontade e o direito a saúde, presentes na constituição e utilizados pelo STF para julgar procedente a ADPF.

            No entanto essa visão de Bourdie pode ser criticada por ser muito pessimista ao limitar os ganhos dos movimentos sociais ao formalismo e instrumentalismo do Direito. As decisões do STF a respeito das cotas, casamento homoafetivo e aborto de anencefálicos, demostram que as mudanças sociais estão ocorrendo em uma velocidade que não era prevista e aos poucos deslocam os limites dos espaços do possível para lugares que não eram imaginados.

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