A
linguagem ininteligível do judiciário por aqueles que não participam ou não
estão acostumados com o idioma “juridiquês” é considerado algo maçante e de
difícil compreensão pela Ministra e Presidente do STF Carmen Lúcia, a qual
também afirma ser um linguajar com o objetivo de reserva de mercado, porque a
informação é algo de difícil acesso, para a Ministra isso deve ser mudado.
Esse
mundo delimitado e limitado é composto por protagonistas que aprenderam o mesmo
idioma, cultura e possuem os mesmos interesses, recursos específicos e
autonomia. Consequentemente, um estrangeiro que tentará embarcar nesse mundo,
muito provavelmente, será marginalizado, mesmo que haja algum protagonista
tentando naturalizá-lo.
O
mundo de atuação de cada um na sociedade pode ser traduzido por campos e até
microcampos, como um movimento estudantil dentro da universidade, esses campos
possuem uma hegemonia formada mais por aqueles que estão inseridos do que por
aqueles que não estão.
O
mundo jurídico possui o sistema simbólico expresso na linguagem refletido na
exegese de suas normas. O direito se basta em si mesmo, ele cria, recria e
preenche lacunas que ele próprio não havia preenchido. O próprio direito
delimita até onde ele vai, com suas definições e soluções aplicadas na sociedade,
logo ele molda a sociedade, porém não deve se olvidar que ele é feito por ela.
Apesar
de o campo jurídico possuir uma delimitação e uma rígida seleção para transpor
essa fronteira limitadora, as transformações de fora do campo respingam dentro
dele, fazendo com que haja pequenas aberturas nessa fronteira. É através da
luta de fora que se transforma aquilo que rege e molda a sociedade. Não é
através do campo do direito que se transforma o campo social, mas ao contrário.
Bourdieu
aponta para duas dicotomias do direito que representam a dominação social em
voga e a luta por mudanças. Por exemplo, o direito civil, dentro do direito
privado, apoiada na economia, preceitua a conduta de uma parte da vida social
regulamentada pelo campo do poder refletido no jurídico; e de um lado oposto o
direito do trabalho que é resultado de luta de emancipação política.
Uma dessas lutas concomitante a percepção da
mudança social refletida no direito, foi a decisão do Supremo Tribunal Federal
de 2012 o qual julgou procedente que um feto com anencefalia é natimorto,
consequentemente foi adicionado mais uma situação em que o aborto não é
considerado crime passível de punição penal, totalizando três momentos, quando
a mãe corre risco de vida pelo motivo da gravidez e quando a gestação é fruto
de estupro. Mais recentemente, o STF concluiu em um caso específico que o aborto
de um feto de até três meses não é considerado crime.
Factualmente, há casos em que a hermenêutica e o
direito não mais são instrumentos do conservadorismo o qual nega a mudança e a
evolução social. Em todas essas situações que descriminalizam o aborto
preserva-se a escolha da mulher, ela é quem tem a autonomia de reger a si
própria, considerando-se o seu direito sexual e reprodutivo e sua integridade
física e psíquica. A conjuntura atual mostra que independentemente da opinião
pública, majoritariamente conservadora e contra o aborto, por enxergarem que ao
descriminalizá-lo seria o mesmo que permitir um homicídio sem punição, o aborto
clandestino em clínicas particulares e em açougues continua acontecendo.
Muito mais que se criminalizar, o aborto é uma
questão de saúde pública e social. E o judiciário tem compreendido e analisado
as normas em acordo ou desacordo com a constituição e principalmente com a
realidade social. Porém, o poder legislativo já se manifestou contrário a esse
caso recente, declarando que caso o STF volte a legislar, eles responderão
ratificando ou retificando a decisão.
A transformação ocorre, mas a estrutura do
poder vigora. Daí parte o papel da sociologia, confrontar os textos, o
simbolismo e a exegese com a sociedade e transformá-lo concomitantemente à
sociedade.
Lorena Lima-Primeiro ano-Direito Noturno
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