O avanço na justiça constitucional tem se afirmado como uma tendência mundial, no Brasil, por conta do modelo institucional
adotado, isso ocorre de maneira especial. Com efeito, conforme demontra Luís
Roberto Barroso, presenciamos o fenômeno da judicialização, isto é, vivemos em um cenário em que questões
políticas e sociais estão sendo respondias pelo poder Judiciário e não pelos
órgãos tradicionais (legislativo e executivo). Ao contrário do que se possa
imaginar, ele não o faz por meio de um exercício deliberado de vontade política,
a própria constituição permite que isso ocorra.
Segundo Barroso, o fenômeno da judicialização, no caso brasileiro, remonta
ao período da redemocratização, no qual houve o fortalecimento e a expansão do
poder judiciário, bem como um aumento da demanda por justiça, tendo em vista
que o ambiente democrático reavivou a cidadania. Além disso, a Constituição
Federal de 1988, é analítica, ou seja, trata de diversas matérias de forma
detalhada, o que potencializa a possibilidade de
serem trazidas para o Judiciário. O sistema de controle de constitucionalidade
também contribui para tanto, na media em que diversos órgãos e entidades podem
ajuizar ações diretas. Desse modo, qualquer questão política ou moralmente
relevante pode ser alçada ao Supremo Tribunal Federal. Com efeito, nos últimos
anos o STF se pronunciou acerca de diversos temas, inclusive, dos
contravertidos, como a pesquisa com células tronco embrionárias.
O mais interessante é verificar a forma com que essa
teoria de Barroso se verifica na prática. Como é o caso da Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 4227 publicada pelo STF, cujo tema é a união
homoafetiva enquanto instituto jurídico. Na qual os votos dos diversos
ministros praticamente retomam e confirmam a tese de Barroso. É preciso ter em
mente que, no caso em questão, o legislativo deixou de atuar. Ou seja, trata-se
de um quadro diferente daquele que tratou, por exemplo, das pesquisas com
células tronco embrionárias, no qual o judiciário atuou preservando as vontades
do legislativo, mantendo a lei criada por meio de uma decisão política. No que
diz respeito à união homoafetiva, no entanto, o legislativo mostrou-se inerte.
Tendo em vista que por mais de quinze anos não se aprovou qualquer regulação a
esse respeito.
Enquanto isso, a realidade social não parou no tempo,
os casais homoafetivos solicitavam uma série de respostas: quais os direitos que
tinham entre si? Os documentos de alienação tinham que ser assinados pelos
dois? Em caso de separação haverá direito à pensão? Como é que será feita uma
eventual partilha de bens? Diante disso,
devido a falta de consenso no legislativo em relação ao tema, os
interessados angustiados recorrem ao Judiciário, buscando uma solução.
A partir disso, tal como afirma a tese de Barroso, o STF é obrigado a atuar. E
o faz segundo as funções conferidas pela constituição, buscando garantir que não
sejam feridos preceitos constitucionais fundamentais. Com efeito, os argumentos da maioria
dos ministros caminham ressaltando vários desses preceitos presentes na
Constituição, sobretudo, o princípio da dignidade da pessoa humana, a isonomia,
os direitos de personalidade, o princípio da liberdade, o princípio da
segurança jurídica, o princípio da razoabilidade ou da proporcinalidade. Ou
seja, tal como afirma Barroso, agem velando “pelas regras do jogo democrático e
pelos direitos fundamentais, funcionando como um forum de princípios – não de
política – e de razão pública – não de doutrinas abrangentes, sejam ideologias
políticas ou concepções religiosas”.
Uma das principais
abordagens reside no conceito de família abordado, principalmente, se levarmos em conta que definir "família" implica em dizer que tipo de ator social pode ter acesso a determinadas políticas públicas. Com efeito, os ministros apresentam um conceito próximo daquele consagrado
pela Constituição de 1988: um instrumento de proteção da dignidade dos seus
integrantes e do livre exercício de seus direitos fundamentais, assim,
independentemente de sua formação, permite o desenvolvimento e garante a
existência livre e autônoma de seus membros. Como a união homoafetiva se encaixa
no conceito constitucionalmente adequado de família, merece a mesma proteção
conferida pelo Estado à união de indivíduos de sexos opostos.
Diante da apresentação de diversos fundamentos, o
judiciário, portanto, em uma decisão unânime estabeleceu que as uniões
homoafetivas devem ser tratadas da mesma forma que as uniões heterossexuais, sobretudo porque estão
baseadas nos mesmos pressupostos. Ao proferir o julgamento o STF está
viabilizando a plena realização dos valores da liberdade, da igualdade, e da
não discriminação, elementos essenciais para a configuração de uma verdadeira
sociedade democrática. Fica evidente que a judicialização,
tal como afirmava Barroso, é inevitável, ela é um fato. O STF decidiu
porque era o que lhe cabia fazer, sem alternativa. E isso é possível e legítimo
porque o modelo institucional brasileiro assim o permitiu, as funções
institucionais ampliadas não foram uma escolha do STF, mas sim uma decisão
constitucional. Além disso, se o STF teve que decidir acerca da união
homoafetiva, é porque os outros poderes se mostraram inertes frente às demandas
sociais. Importante destacar, ainda, que tal decisão não se deu por puro
arbítrio, mas sim com base nos preceitos constitucionais e nos limites de suas
funções, concedidas pelo próprio texto constitucional.
Yasmin Commar Curia
Direito- noturno
Nenhum comentário:
Postar um comentário