A transferência dos conflitos sociais, da esfera política para a jurídica, vem ensejando uma nova perspectiva na ciência jurídica: como lidar com o fenômeno da judicialização? A ideia geral parece ser positiva. Aqui e ali veem-se críticas, principalmente no tema da chamada "judicialização da política" (exemplo de crítica pode ser encontrado na novíssima tese "Judicialização da Política" do Dr. Luiz Moreira, da faculdade de Direito de Contagem, MG).
A perspectiva de Luís Roberto Barroso é muito otimista. Barroso, um grande estudioso do direito constitucional brasileiro, entende que o fenômeno da judicialização é mundial, mas no Brasil, mais abrangente e profundo, assume contornos necessários. A inércia do legislativo faz com que os tribunais brasileiros se transformem em esperança das mais diversas aspirações. Grupos organizados, partidos políticos, movimentos sociais e indivíduos encontram na justiça a via única de efetivação dos seus direitos.
A judicialização é portanto um fato. Todo conflito levado à esfera judicial é a reiteração cotidiana desta marca da vida institucional brasileira. Mas e o ativismo? Ele é verificável?
No caso do parecer do STF sobre as cotas, parece que não há posição ativista, na conceituação definida por Barroso: (i) a aplicação
direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e
independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de
inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em
critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a
imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de
políticas públicas.
O item (i) poderia ser mobilizado em uma argumentação em sentido contrário. Argumentar-se-ia que embora a Constituição Federal determine em diversos capítulos a promoção e garantia de igualdade e acesso, não há uma disposição clara do legislador quanto ao tema das cotas. Todavia, nesse caso específico, o STF apenas discorreu sobre um possível rompimento de preceito fundamental, não determinando qualquer medida, apenas garantindo a existência de uma política já adotada.
Claro que o ativismo jurídico é uma possibilidade que tem se verificado em outros pareceres jurídicos, perspectiva corroborada pelo próprio Barroso. E esse fenômeno deve ser visto com menos temor e mais curiosidade científica. O que vem tornando nosso poder judiciário tão atuante é uma das questões que o meio jurídico-cientifico brasileiro terá que responder. Talvez estejamos assistindo a uma nova geração de juristas, movidas por ideias mais abertas e levados para uma atuação mais vibrante. Talvez nosso sistema político esteja tão desacreditado e amarrado por interesses alheios ao bem público que o judiciário esteja sendo impelido a mover a sociedade por caminhos mais progressistas.
Talvez a visível confluência do direito com disciplinas humanas, fenômeno tão criticado por Hans Kelsen, mas resgatado pelo ambiente pós-positivista, esteja fazendo da ciência jurídica cada vez mais um âmbito de crítica da realidade social.
Questionamentos que permanecem.
Mas uma certeza é a de que a judicialização já produziu modificações, para o bem e para o mal, no nosso cotidiano. E as cotas, nesse sentido, protegidas pela hermenêutica dos nossos juristas mais poderosos, persistirá como política pública para o desgosto dos defensores da meritocracia binária.
Citando o conceito de Barroso (e talvez ampliando-o), os direitos afirmativos talvez sejam a dimensão dos direitos humanos própria da sociedade multicultural. São os direitos de reconhecimento, de grupos minoritários, face ao restante da sociedade.
Essa é uma reflexão lançada por ele em uma palestra cuja audiência eu recomendo, pela comicidade e pela perspectiva de analise (parte II e III na própria página do link):
Victor Abdala de Toledo Piza - 1o ano Direito Noturno
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