Max Weber explicita a racionalização como essencial
para a implantação da modernidade e o direito como fruto dessa racionalidade
universal, sendo esta dividida em duas constantes: a racionalidade formal e a
material. A primeira se estabelece mediante caráter calculável das ações e seus
efeitos, ou seja, baseado na lógica, na positivação do direito, na sociedade
burguesa e suas técnicas essencialmente racionais, enquanto a segunda leva em
conta valores, exigências éticas, políticas, religiosas, sociais e outros,
tomando assim, uma postura mais ‘sensibilizada’ às questões humanas em
contraposição da tecnicidade da formal.
No que tange à atual e polêmica discussão sobre o
transexualismo, esse contraste entre o direito formal e material - uma vez que
aquele garante e defende direitos puramente abstratos os quais não se fazem
práticos na realidade social, enquanto este considera os motivos pelos quais um
ser humano necessitaria de uma cirurgia de mudança de sexo e o que o leva a ter
esse desejo – se faz pertinente. Quais os motivos de tamanha burocracia desse
direito ‘perfeito’ e racional em permitir que os transexuais tenham suas
necessidades realizadas?
Esse debate é feito pelo juiz Fernando Antônio de
Lima, na Vara do Juizado Especial de Jales quanto a um pedido de um transexual
que pleiteava uma cirurgia de mudança de sexo, bem como alteração do registro
civil, e modificação do sexo masculino para o feminino. A problematização do
direito normativo e o compreensivo de Weber se dá pelas lacunas deixadas pelo
Código Civil, cujo artigo 13 prevê: “Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio
corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou
contrariar os bons costumes.” Entretanto o juiz, fazendo uso da jurisprudência,
interpreta o artigo de forma distinta, a favor do pedido de cirurgia do
transexual: “O art. 13 do Código Civil, ao permitir a disposição do próprio
corpo por exigência médica, autoriza as cirurgias de transgenitalização, em
conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal de
Medicina, e a consequente alteração do prenome e do sexo no Registro Civil”.
Dessa forma, torna – se válida a possibilidade da
cirurgia e alteração do nome da requerente, o que provoca na opinião pública,
em sua maioria, um problema que vai contra os “bons costumes”, sendo estes
somente os que forem aceitos pela sociedade atual hierarquizada, com o preceito
de uma família padrão – pai, mãe e filhos – como uma derivação e consolidação
de uma sociedade tecnológica que precisa moldar os indivíduos, padronizados,
para que assim se torne mais fácil o controle dos iguais, enquanto os que fogem
a essa ‘igualdade’, os transexuais no caso, sejam vistos com tamanha periculosidade
fundada na repulsa pelo diferente e patologizar um problema social. Não se
trata de uma patologia, e sim de uma clara necessidade de um ser humano que não
se vê feliz e saudável num corpo que não lhe pertence. Portanto, deve o direito
formal e conservador ser ‘deixado de lado’ em prol de indivíduos cada vez mais
distintos entre si e carentes de assistência jurídica e de um sistema
judiciário competente e dotado de uma maior humanidade para com a sua sociedade
as mudanças sofridas ao longo dos anos.
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