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domingo, 27 de abril de 2014

Comte e a infame herança do positivismo jurídico

Não é preciso ser nenhum Kelsen para perceber, a partir de breve lida nas duas liminares, que aquela determinada pelo juiz da 14ª vara cível, na comarca de São Paulo, é fortemente embasada por argumentação positivista. A proibição de manifestações sociais em detrimento à salvaguarda da ordem é um traço característico e fundamental da filosofia positivista, fato este que será discorrido subsequentemente.
Uma das maiores confluências da liminar em trato, com o positivismo de Comte, é o fato de ambas serem avessas a quaisquer perturbações da estática social. Ambas são absolutamente desfavoráveis à afetação da ordem estabelecida até então. Nesse sentido, a hermenêutica do juiz em questão suprime de modo escrachado o “direito à livre manifestação” conflitando-a, a meu ver de maneira descabida, com outros direitos constitucionais como o direito a propriedade e a liberdade do trabalho. Se todos os direitos, de fato tivessem a mesma importância, segundo o que o próprio juiz apresenta, nenhum deles poderia ser refutado, inclusive o direito à manifestação, o que não foi respeitado nesse caso. Isso se dá, sobretudo, em proteção à uma “suposta ordem” que deve ser mantida, sustentada pela argumentação do juiz de que o espaço seria “impróprio à manifestação”.  Sendo assim, a partir de um viés jus-positivista, impõe-se a segregação do espaço do shopping . Nada mais é que a tentativa da manutenção deste como espaço estéril, de predominância branca e burguesa, e do afastamento das camadas marginalizadas que representam risco a manutenção do status quo, além de retratarem explicitamente a problemática da desigualdade no espaço de entretenimento e consumo das elites. Por fim, uma ação alinhada ao ideal positivista antirrevolucionário, estático, e de segregação das massas menos favorecidas.
Não obstante, é preciso reconhecer as limitações do positivismo de Comte; limitações essas que ao adentrarem ao campo do direito promovem decisões retrógradas, injustas e anacrônicas em vista da problemática social atual. Comte buscava uma ciência que abarcasse a totalidade social. De maneira sintética, buscava um enquadramento total da sociedade, para o “progresso”.  Pois é aqui que começam os problemas: como seria possível formular conceitos únicos que abriguem tamanha diversidade de contextos sociais? Como estabelecer conceitos gerais de regência social em vista da discrepância econômica? Da desigualdade? A resposta é simples: inviável. Desse modo, a tentativa de imposição legal para o fato em questão, é o exemplo claro de como injustiças são promovidas à luz do positivismo cego.
Ademais, o positivismo foi historicamente usado na construção de arquétipos racistas dentro os quais se desenvolvia a ideia de que algumas sociedades estavam em escala evolutiva inferior a outras. Essa foi a ideologia preponderante em meados do século dezenove na Europa. De maneira análoga, a privação do espaço do shopping a parcela marginalizada é o microcosmo análogo do racismo praticado pelas nações industrializadas no passado à África, atualmente praticado pelas elites aos marginalizados.
Por conseguinte, é possível observar que o positivismo de Comte perdura até os dias atuais. O exemplo tratado pela liminar, é somente a pequena parcela jurídica dentre uma amplitude muito maior de ramificações para as quais as ideias de Comte se desdobraram.


Roberto Renan Belozo – 1º direito noturno

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