Certo dia ouvi que para compreender como a sociedade é de
fato, eu deveria mudar completamente minha maneira de enxergá-la, livrando-me
das noções já formadas em minha mente e de sentimentos que pudessem distorcer
meu entendimento. Com toda sinceridade, achei que nunca conseguiria, mas,
depois de várias tentativas, obtive sucesso. Infelizmente.
Agora eu podia vê-las. E aquilo me apavorou tanto que temi
pela minha própria sanidade. Cada ser humano estava preso a cordas cuja origem
se perdia conforme se entrecruzavam nas ruas da cidade. Porém, era extremamente
perceptível que elas manipulavam cada movimento nosso como se fossemos
marionetes, obedecendo a um titereiro invisível. Até mesmo pessoas e grupos que
se denominam “diferentes” e “fora do sistema” estavam tão presas quanto os
outros.
Percebi também que as cordas que manipulavam as crianças
eram mais finas e em menor quantidade, mas aumentavam conforme a faixa etária e
o contato com outros. Vi, por exemplo, um discreto fio surgir e amarrar-se a um
garotinho que acabara de levar uma bronca dos pais por algum motivo
desconhecido por mim. Foi uma enorme surpresa ao ver que alguns possuíam
até mesmo enormes correntes que, mesmo aparentemente pesadas, não atrapalhavam
de forma alguma seus movimentos. Talvez um dia até mesmo as cordas normais tenham
incomodado, mas sua presença tornou-se um hábito e seu fardo agora é ignorado.
Eu vivenciava uma situação que Durkheim invejaria... Até o
momento em que vi uma ação inesperada: uma pessoa se soltou rudemente das
cordas que a prendiam, como se pela primeira vez tivesse notado sua presença. Porém,
o mais assustador foi como as que prendiam os outros se moveram lentamente,
fazendo com que todos se virassem e dirigissem ofensas e olhares reprovadores
ao único ser livre, até que uma nova corda surgiu e amarrou-o novamente, trazendo
de volta a “normalidade”.
Então, finalmente entendi. Nós criamos aquelas cordas. O
titereiro invisível era a própria sociedade e suas regras, que passaram a
existir independentemente da vontade de cada indivíduo. Não poderíamos fugir
das cordas. Não deveríamos. Após esse
episódio, tentei ignorá-las. Parei de vê-las, ou apenas não queria, mas ainda
sinto que a cada movimento e a cada pensamento, há uma discreta força que me
guia pra determinada direção.
Nenhum comentário:
Postar um comentário