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segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Até que a morte nos separe

Para começar, confesso que estava em dúvida sobre qual tema iria escrever: "Liberalidade x Tolerância e a Perspectiva da Anomia" ou "Paixões Públicas e Paixões Privadas"? Mas em uma discussão virtual com meu companheiro acadêmico Osvaldo Rodrigues Júnior, percebi que o segundo tema desperta uma paixão privada gigantesca em mim.
Então, tendo escolhido o tema, e partindo da leitura de Durkheim, partirei da explicação das paixões e a relação delas com o Direito.
Para o autor, paixões públicas partem da ideia de consciência coletiva. A consciência coletiva seria aquilo que está escrito nas consciências de todos os indivíduos de certa sociedade, como por exemplo, o quanto é errado o adultério nos países árabes. É possível observar uma diferença de tratamento de uma mulher adúltera nesses países e nos países ocidentais liberais. É a diferença da consciência coletiva nessas localidades.
Já paixão privada seria uma paixão do indivíduo. Na questão do Direito, como analisa Durkheim, seria, por exemplo, a vontade que um familiar tem de ver o assassino de seu ente querido preso. Essa "vingança", para essa pessoa em específico, seria uma paixão privada.
Outra observação importante sobre as paixões feita por Durkheim é que as paixões públicas vão muito além de somas de paixões privadas. Por se tratarem de uma ofensa contra o que está escrito nas consciências de todos os indivíduos, é uma ofensa contra o coletivo, não existe individualmente, só ofende se for a todos. Portanto a paixão pública é a paixão de todos e de ninguém.
É possível observar o quanto esse conceito é atual facilmente. Os exemplos dados mostram isso, além de ser possível citar os casos "Bruno", "Nardoni" e a perseguição do BOPE ao crime organizado no RJ. São todos casos de grande apelo social, que movimentam as paixões. Eles constituíram ofensas que atingiram a toda a sociedade brasileira e não só os que sofreram com os crimes e seus familiares.
Diante disso, fica fácil observar a relação que o autor faz entre o Direito e a passionalidade. Para Durkheim, o Direito, principalmente na área penal, está intimamente relacionado à passionalidade. Quanto mais se ofende ao coletivo, quanto mais se incita a passionalidade, maior a consequência, maior a pena. Ainda segundo o autor, a passionalidade, ao mesmo tempo em que é elemento inseparável do Direito e causador da dualidade das penas e da própria vingança, é elemento ruim pois pode afastar da racionalidade necessária para a aplicação correta das leis. Como exemplo disso, atualmente, é possível observar que apesar de racionalmente tanto o crime de assassinato quanto o de sonegar impostos serem passíveis de punição, para o brasileiro, que tem aversão aos tributos e amor à vida, o crime de assassinato é imperdoável e precisa ser punido para que se faça sentido, enquanto sonegar é perfeitamente aceitável e vergonha não é o crime, mas sim o que o governo faz com esses impostos.
O autor também se mostra mais favorável ao direito restituidor, como o Direito Civil, por exemplo. Para ele, a passionalidade seria menos influente nesse meio que no meio repressor do direito, ou seja, no Direito Penal.
Até aqui, fez-se inútil o primeiro parágrafo deste imenso texto, já que não cheguei a nenhuma passionalidade minha. Entretanto agora fará sentido. Meu pensamento se diferenciou do de Durkheim em dois pontos especificamente, e são eles que mexem comigo.
Primeiramente, que a paixão não está tão concentrada no Direito Penal quanto parece. Como o próprio Durkheim cita em sua obra, as partes trabalham para que haja a simpatia com o cliente e seu ato ou o extremo oposto. Isso não se restringe ao direito repressor, mas a toda forma de direito existente. É justamente a organização do Direito, o fato de haver julgamento com uma parte isenta das duas em oposição, é justamente esse sinal de racionalidade que gera toda a passionalidade na prática jurídica. Seres humanos tendem a colocar os sentimentos e impressões no que fazem e o Direito não é ciência exata onde as partes fazem parte de uma equação que dará como resultado a pena. A parte isenta, acima e independente das em oposição é composta por seres humanos, e por isso, terá sim influência da passionalidade. Ou alguém realmente acha que o uma demissão injusta e humilhante não envolveria passionalidade no direito trabalhista? Atualmente escolas são praticamente "obrigadas" a dar educação sexual às crianças e adolescentes para evitar gravidez na adolescência. Se alguma escola se recusasse a fazê-lo em função de um conservadorismo religioso (forma de paixão pública) e alguma das adolescentes não só engravidasse por falta de instrução, mas contraísse o vírus HIV aos quinze anos de idade e resolvesse processar sua escola civilmente pelo dano que lhe foi causada, não teríamos aí um caso que incitaria a paixão tanto quanto, ou até mais, que um caso de assassinato no âmbito do Direito Civil? Discordo do autor. O direito restituidor não é menos passional que o repressor. O Direito em si é paixão e é razão ao mesmo tempo. A dualidade não está na pena, mas no Direito em si.
O outro ponto é a questão: até onde passionalidade e racionalidade se opõem no Direito?
Principalmente a paixão pública, que é a mais citada pelo autor na questão de penas exageradas... Muitas vezes a paixão faz sim mal ao Direito, como na pressão por penas exageradas, ou por vereditos que satisfaçam a consciência coletiva, ou na falta de visão da sonegação de impostos como crime gravíssimo que chega a beirar a falta de patriotismo e chega a lesar todos os cidadãos de alguma forma.
Mas nem sempre é só ruim e nem sempre a paixão indica falta de razão.
A paixão pode ser boa quando se repara um dano em partes com uma consequência gigantesca para o criminoso e como forma de repressão de reincidência do ato. O próprio autor cita isso. Também pode ser boa por exigir um basta à impunidade, desde que acompanhada de razão (como no impeachment de Collor). Mas se faltar a razão, a punição pode ser estranha (como nas eleições de Collor após o acontecimento), exagerada ou até mesmo injusta (como em casos que a mídia declara o réu culpado, quando este é inocente).
E a paixão pode nem sempre estar afastada da razão também. Como exemplo, o autor cita a questão de um assassinato não agredir tanto a sociedade quanto alguém que causa uma crise geral no sistema de produção vigente nessa mesma sociedade. Enquanto o assassinato afeta "um e seus familiares", o crime contra o sistema afeta todos. Entretanto Durkheim pauta o argumento já colocando sua concepção de sociedade como a ideal. Como ficaria esse pensamento atualmente? E as correntes de pensamento divergentes como o Liberalismo?
Para o Liberalismo, corrente atual, o indivíduo e a liberdade são os mais importantes. E que atentado poderia ser maior contra o indivíduo e sua liberdade que o atentado contra sua própria vida? Até onde a pena por assassinato é julgada somente pela paixão se vista por esse ângulo? Racionalmente é inaceitável perder o indivíduo para o liberalismo, logo, pena alta para reprimir o assassinato. A verdade é que a sociedade, o corpo social, era em si, uma paixão privada de Durkheim e por isso seu pensamento. Assim como é possível observar que o Direito em si é uma paixão privada minha.
Portanto, concluo que paixão e razão são inseparáveis, formam a dialética do Direito, agora e para sempre. O bom é que o jurista seja sempre racional e use a passionalidade a seu favor quando necessário. E que o Direito esteja comigo, nesse casamento de paixão e razão, até que a morte nos separe.

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