5 horas, alarme do celular disparando seu barulho infernal (tenho que trocar esse toque). Levanto e vou comer um ovo mexido e tomar café (meu eterno companheiro, sem você nunca aguentaria o trabalho). Ligo a televisão, coloco o canal na Globo. Está passando Hora Um, e só informa coisas inúteis. Não me importo com políticos, que agradam somente pessoas como o Chefe: ricos, não ligo para o resultado dos jogos de futebol (o que muda na minha vida se o Corinthians ou o Palmeiras vence? Continuo pobre). Entediado, mudo de canal e deparo-me com uma missa sendo transmitida. Nunca fui religioso, não me identifico com nenhuma crença: cristianismo, judaísmo, budismo, para mim são tudo histórias criadas para arrancar dinheiro de otários e ser uma resposta "porque sim" para tudo. Uma fuga da realidade chata e brutal, não diferente dos filmes ou quadrinhos, criada por um anseio de compensação pelos sofrimentos que sofremos e desejos de que aqueles que não gostamos, que julgamos como pecadores, sejam punidos pela eternidade. Droga, me perdi novamente em meus pensamentos, vou me atrasar para pegar o ônibus.
7 horas, chego na fábrica. Bato o ponto, e vou apertar parafuso. O José chega atrasado, de novo. Ele é meu supervisor e sobrinho do Chefe, só assim para um moleque de 25 anos conseguir um emprego desses. Todo dia chega com seu carro grandão, não sei o nome e sinceramente não me importo em saber, não tenho dinheiro para carro, então para mim é tudo igual. Sempre acha que é melhor que o resto de nós só pelo seu carro, suas roupas caras..., em resumo só por ter mais dinheiro. Agora, ele está desfilando com seu novo terno (só sei que é diferente do antigo por que ele mesmo disse isso) e quer que todo mundo o aplauda e o bajule, dizendo o quão moderno e estiloso ele é. O pior é que tem pessoas aqui da fábrica realmente acreditam que o terno, mesmo sendo praticamente idêntico ao antigo, é belíssimo e revolucionário. Outros também o bajulam, mas não sei se é para ficar nas boas graças do Chefe ou se apenas seguem o que a maioria faz. Tocou o apito, interrompendo minhas reflexões e trazendo-me de volta ao ritmo monótono e entediante de meu ofício, sinalizando que é hora de comer.
12 horas, como meu misto-quente (ou misto-frio já que não tenho tempo de esquentá-lo no sempre tão cobiçado micro-ondas do refeitório). Meus pensamentos divagam novamente, dessa vez sou levado ao Chefe. Sendo sincero, não sei nem mesmo o nome dele. Só o vi uma única vez em todos os meus anos nessa indústria, que foi quando teve uma greve aqui na fábrica para que os banheiros fossem consertados (os dois únicos estavam entupidos há 4 meses). Na ocasião ele, com seu terno branco e gravata vermelha (quem que usa isso hoje em dia?), disse que a situação dos banheiros seria rapidamente consertada e que o responsável pela supervisão deste problema seria demitido. Parece que somente quando mexe com a produção é que o Chefe aparece. Parando para pensar, acho que essa greve foi a única vez que eu vi todo mundo da fábrica (com a exceção do José) unidos em prol de uma única causa. Naquele dia nós tínhamos uma única vontade, um único objetivo, e conseguimos o alcançar. Mas o Chefe também percebeu isso, ele implementou um sistema de metas, com quem sendo o melhor em seu respectivo setor ganhando um prêmio. Após isso, a competição e rivalidades impediram outra organização de greve. O apito toca novamente, obrigando-me a retornar à parafusar.
14 horas, continuo apertando os parafusos, mas o Alberto do meu lado está mais lento, não vai cumprir a sua meta de hoje. Não o julgo, pois sua esposa o largou recentemente, deve ser apenas a necessidade do salário que o fez aparecer para o trabalho. José sabe disso, mas não importa, visto que acabou de advertir (de maneira um tanto quanto excessiva) que caso não conclua a meta, será demitido. Como alguém pode ser tão insensível? Será que para ele só o resultado, a produção importa? Será que nos vê como, ou pelo menos deseja que fossemos, máquinas que realizam apenas o que nos é exigido? Percebo que o Chefe também vê assim, já que só apareceu por causa da greve. Talvez tal afastamento seja por nos considerar inferiores, ou talvez seja uma consequência de ter tanto dinheiro, afinal não se torna rico considerando os sentimentos dos outros. Ocorre-me um arrepio: será que se os papéis fossem invertidos, eu também seria assim? Será que eu veria os meus atuais colegas apenas como degraus em uma jornada incessante por mais dinheiro? Volto-me, na tentativa de afastar tais pensamentos, para o ofício: parafusar...parafurar... o que mesmo que eu estou parafusando?
Rafael Nascimento Feitosa, 1° semestre de direito diurno
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