Felipe estava exausto. Apesar da felicidade que permeou seu ser, há dois anos, quando conseguiu o trabalho na empresa, ele já não aguentava mais. Passou meses desempregado, porque, segundo seu antigo chefe, a companhia precisava passar por um corte de gastos e, portanto, o homem foi demitido, sem qualquer aviso prévio ou auxílio — e nesse meio tempo, ele precisou investir em trabalhos uberizados e de freelancer, o que só piorou sua situação de desamparo. Mesmo assim, no momento atual, seu único questionamento é: trabalhar 50 horas semanais para ganhar um salário mínimo por mês vale mesmo a pena?
Bom, no início, a resposta era sim. Felipe tinha o famoso “sonho da casa própria”, queria melhorar de vida e acreditava que, com muito esforço e trabalho duro, alcançaria seu objetivo. Entretanto, agora, sentado nesse bar insalubre e sujo, onde a bebida mais cara custa 10 reais, ele já não pensa o mesmo.
Em seu quinto copo, um senhor barbudo se aproxima. Aparentando ter uns 70 anos, o homem senta-se ao lado de Felipe e é rapidamente atendido pelo garçom. Já com sua bebida na mão, o senhor inicia:
— Noite difícil, meu jovem?
— O senhor nem imagina — responde Felipe com os olhos opacos e cansados.
— É o trabalho, eu suponho.
— Está tão óbvio assim?
— Meu jovem, este é o principal problema de tudo, sempre tem um dedinho dele.
Depois de alguns minutos pensando e perdido em seu copo, Felipe ficou mais confuso, como assim o trabalho sempre é o problema? Sendo assim, resolve esclarecer sua dúvida:
— Por que o senhor afirma com tanta certeza que o problema é o trabalho? Ele não seria a solução?
— Muito longe disso! O que eu estou tentando lhe dizer é que o modo como o trabalho é estruturado que causa todos esses problemas do homem.
— Como assim? — pergunta Felipe cada vez mais perdido.
— Pense comigo. Suponho que você trabalhe cerca de 10 horas por dia e folga um dia na semana, o que já está muito longe do recomendado pelas leis trabalhistas. Ganhando, mais ou menos, um salário mínimo, que não tem como se manter direito, já que diariamente os preços parecem aumentar mais, você não tem tempo para mais nada. Estou certo, meu jovem?
— Sim. — responde perplexo com a assertividade do senhor.
— E ainda sim, você acredita que trabalhando duro conseguirá chegar numa posição como a de seu chefe, por exemplo. Correto?
— Correto.
— Então, é exatamente isso que eu quero dizer. O sistema no qual nos encontramos é programado para isso. Os meios de produção, no caso atual aqueles organizados pelo capitalismo, determinam tudo em nossa vida. A moral, a arte, a filosofia, a religião, absolutamente tudo! — explica o homem, exaltando-se ao final com um brilho de indignação.
Dando um tempo para o senhor respirar e recompor-se, Felipe analisa tudo aquilo
que havia escutado. Foi assim que entendeu como aquilo aplica-se em sua vida, na forma como ele acredita estar chegando próximo de superar suas condições materiais e “subir” de classe e conceito. Contudo, mais uma dúvida surge:
— Mas, senhor, quem decide tudo isso?
— A classe dominante oras! — responde o mais velho com um tom de obviedade.
— E quem seria ela?
— Garoto, você prestou atenção em uma palavra que eu lhe disse anteriormente? A classe dominante é aquela que tem todo o poder nas mãos, aquela que pode controlar todos nós como pequenos peões insignificantes em seu jogo de interesses e domínio. A classe dominante é aquela que possui a ferramenta mais importante no sistema de hoje: o capital.
— Então tem um grupo de pessoas que, utilizando o dinheiro, controla absolutamente tudo que nós estamos vendo? — Pergunta Felipe tentando acompanhar a linha de pensamento do homem.
— Sim.
— E tem como a gente mudar isso?
— Acompanhe o raciocínio, meu jovem, aqui pode ser um pouco confuso. Veja bem, qualquer realidade histórica apresenta contradições internas. Ou seja, sempre há grupos ou situações antagônicas que geram certo conflito dentro do sistema. Sendo assim, não poderia ser diferente com o capitalismo. Ele apresenta inúmeras contradições e, caso exploradas, poderiam fortalecer a luta entre as classes e assim, por ventura, romper com o sistema e gerar um novo, aprimorado às necessidades de agora.
— E esse sistema também teria contradições?
— Suponho eu que sim.
Dada sua última resposta, o senhor finaliza sua bebida e sai do bar e adentrando-se na noite inquieta da cidade. Felipe permaneceu estático por um tempo, afogado em toda a informação nova e angustiante, e repensando todos os conceitos que havia naturalizado e tomado para si. Quando retorna à realidade, nota um livro abandonado no balcão, intitulado “Manifesto do Partido Comunista”. Toma o livro em seus braços e dirigi-se para casa.
Larissa de Sá Hisnauer - 1º semestre - Diurno
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