Análise materialista sobre as relações de produção e de consumo no cenário do capitalismo financeiro e da cultura imagética
Na
perspectiva de Marx e Engels, a própria estruturação do capitalismo é pensada
para atingir a dimensão global. De fato, desde o início no século XVI, o capitalismo
se concretizou sob a lógica do mercantilismo, e, a partir daí, já haviam sido
lançadas as bases para o sistema de Divisão Internacional do Trabalho, que apenas
se tornaria mais complexa com o passar das décadas e com a diversificação de
setores produtivos. À época, o sistema funcionava com metrópoles fornecendo manufaturas
para as colônias, que, por sua vez, forneciam de volta metais preciosos e
especiarias. Atualmente, as potências desenvolvidas fornecem tecnologia,
industrializados, investimentos, empréstimos, os países subdesenvolvidos
industrializados fornecem produtos primários (commodities) e produtos industrializados
e os países não industrializados fornecem apenas as matérias primas. É notável
que houve uma grande transformação até o século XXI, mas o cerne dessas relações
continua sendo o mesmo: a exploração. Ao definir um determinado papel para um
país, muitas vezes relacionado à influência política dele no sistema interestatal,
é reforçada a dominação pelas potências, visto que os setores relacionados à
tecnologia contêm muito mais valor agregado do que as commodities, por exemplo.
A realidade perversa inerente a essa lógica é que para um país permanecer
próspero e dominante, outros têm que se manter na miséria. No capitalismo
financeiro, especificamente, o artifício da acumulação flexível e da
localização estratégica das empresas reforça essa divisão, se aproveitando
principalmente de aspectos fiscais e logísticos favoráveis. No caso de uma Big Tech,
por exemplo, a sua matriz head de operações é localizada em uma potência
econômica, mas os trabalhos mecânicos ou de extração envolvidos são realizados
em países de legislação trabalhista pouco significativa, que abre margem para a
exploração desumana da mão de obra, muito comum, por exemplo, nos Novos Tigres
Asiáticos. O estudioso do tema Richard Sennet avaliou essa tendência
denominando a empresa flexível de “arquipélago de atividades relacionadas”, que
reflete de forma muito didática essa realidade. Outro exemplo dessa
discrepância entre as nações está no fenômeno da fuga de cérebros, pela qual as
mentes mais brilhantes deixam seu país de origem rumo a uma potência econômica
com melhores oportunidades de educação e de remuneração, repetindo a lógica,
pois, no futuro, serão esses indivíduos que darão continuidade ao que há de
mais tecnológico (e valoroso) no Vale do Silício, concentrando as riquezas nos
mesmos países. Em linhas gerais, esses seriam exemplos da atualidade da
exploração capitalista na escala macro (entre países), na visão de Marx e Engels, contudo,
isso se reproduz até alcançar a escala de relações individuais, como também foi
tratado pelos autores.
Com
efeito, a lógica de dominação capitalista burguesa foi um dos principais
objetos de estudo de Marx e Engels, que chegaram ao conceito de mais-valia,
ponto essencial que sustenta a opressão do Capitalismo na escala micro (entre pessoas) e que significa a
disparidade entre o salário pago ao trabalhador e o valor produzido pelo seu
trabalho. Na forma de mais-valia absoluta, o meio utilizado para alcançar isso
é o aumento da jornada de trabalho. Na mais-valia relativa (crescente na
atualidade) é aplicada tecnologia na produção, visando ao aumento de
produtividade. Em ambas as formas, é válido destacar que essa diferença é apropriada
pelo capitalista, e que, devido a essa exploração, a contratação do trabalhador
só é aparentemente livre, de acordo com a concepção marxista. Feita essa breve
análise, é visível o antagonismo de interesses entre trabalhador e capitalista,
refletido na desigualdade de classes, como uma amostra de quão inorgânica é
essa relação produtiva. Isso permanece hoje, sob novas formas, como analisa Richard Sennet ao tratar da flexibilidade também na esfera individual, isto é, observa-se a predominância de contratos mais flexíveis, carreiras mais instáveis e o risco como uma condição comum do trabalhador do século XXI.Ademais, um enfoque muito interessante para notar a continuidade
da exploração no cenário contemporâneo é observar as relações de consumo. O establishment é reforçado pelo componente
imagético, sendo que a diferenciação entre as classes é fortemente destacada
pelo boom da propaganda. Não basta
ter um carro ou um celular que estão funcionando plenamente, é necessário que
sejam de última geração, caso contrário, não possuem valor. E quem dita isso? A
propaganda, que atua a nível psicológico ao ponto de não mais serem suficientes
ao trabalhador as condições materiais (entendidas aqui como na visão de Marx,
meios estritamente necessários à vida), é necessário também adquirir esses
símbolos supérfluos carregados de status,
caso contrário, o valor do indivíduo trabalhador em meio às relações sociais
será nulo. Tem-se, então, o fenômeno marxista da reificação: o indivíduo tem
seu valor medido a partir daquilo que pode ou não adquirir. Essa lógica sempre
se reproduz aplicada a produtos novos, por exemplo, as especiarias que
motivavam expedições longas e árduas até a Índia, hoje, são facilmente
encontradas em qualquer supermercado, logo, desprovidas do valor que outrora tiveram.
Além disso, o uso da obsolescência programada (encurtamento proposital da vida
útil dos produtos) é uma ferramenta aplicada por grande parte das empresas de
hoje e que ajuda a manter esse “abismo” entre classes, sempre pautado no
aspecto das “coisas”, e, por fim, constituindo mais um exemplo de como a visão
materialista da história permaneceu contemporânea.
Como
complemento, duas charges (fonte: pictoline) que amostram 1. novas formas de
exploração no ambiente de trabalho e 2. obsolescência programada
Isabela Mansi Damiski - turma XVIII - primeiro semestre
Nenhum comentário:
Postar um comentário