Minha vó, trabalhadora do lar.
Minha amiga, vendedora de bolos.
E eu, por enquanto, estudante.
Três mulheres e três ocupações.
Vó, que passa horas da rotina
varrendo a calçada da sua casa,
num ato religioso de lutar contra a
poeira: vive os mesmos dias pra sempre.
E não quer que mude, não
entende quando a realidade
ultrapassa a previsão da rotina
de entrega pra casa e pra família.
Amiga, que vende bolos com
seu filho no colo, acostumou-se
com a instabilidade do novo, ou
da não garantia de salário no mês.
Cozinha, limpa, cuida, atende
clientes, faz um instagram pra loja e
lá coloca os reels da nossa geração.
Uma jovem empreendedora, dizem.
Eu, por enquanto, estudante,
engulo litros de ansiedade por dia
na procura de estágios futuros
e entrega de trabalhos presentes.
Uma produtividade que assola
meus instantes traz consigo a
volatilidade do mercado de trabalho
e frágil manutenção da universidade.
Vó, amiga, eu: três mulheres
em face do tempo-espaço
feito de areia movediça,
engole até quem resiste.
Vó foi presa nas amarras
do trabalho não remunerado
da casa, entregue sempre às
mulheres, sem ser contestado.
Não escapou da realidade
instável que a faz roer as
unhas quando o neto não vem
pro jantar, pra trabalhar na Uber.
Amiga- também mãe- que trabalha
na casa e vende bolos pro seu sustento.
Conheceu a pior face do mundo flexível.
(Des)dobra-se tanto que é mais de uma.
São três ocupações em uma só mulher,
fadada por um nome cravado em si: o
empreendedorismo, maquiagem para o
cansaço de uma vida pouquíssimo digna.
Eu, estudante, que observo o mundo
e absorvo a amargura de suas relações.
Os tempos e formas de trabalho mudam,
a miséria, exploração e opressão continuam.
E até mesmo quem se deu conta de como
é a vida quando submetida ao capitalismo,
rende-se, de corpo todo atado, na imobilidade
do neoliberalismo: trabalho, trabalho ou trabalho?
Vendem-nos um discurso de liberdade
perante à volatilidade dos tempos atuais.
Em um mundo de imprevisibilidade,
acham que nós fazemos nossas escolhas.
O que se percebe sobre essas falsas
simetrias entre incerteza e mobilidade, é
que há uma fixidez em tudo isso:
a exploração da maior parte, pelo proveito da minoria.
Tempos e tempos de mais-valia.
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