O capitalismo, como um ethos a ser seguido, é, apesar de
produtivo, pobre. Veja bem, a palavra usada “produtivo” não tem aqui nada a ver
com “construtivo”, isto é, algo que constrói coisas novas. O capitalismo repete
algo bem sucedido e, sobre este, deriva incessantemente até ser sua existência
tornar-se obsoleta. De forma análoga a tais “coisas”, pessoas também sofrem um
processo de repetição incessante, de suas personalidades, até um ser, ou um
estilo de ser, tornar-se obsoleto e desprezível. É tal a sorte do capitalista,
na dinâmica social em que ele influencia a universalidade e esta à ele, o homem
burguês, se ainda é possível chamá-lo assim, é o que tem grande pressão
modificante na dialética social. Qual a consequência disso? Utilizando-se de um
papel, que não me pertence, de sociólogo diria que a consequência seria uma
sociedade cristalizada de costumes e cimentada de desejos. Para melhor ilustrar
o que quero dizer, invoco uma personagem: Amélia. Filha de família de alta
renda de São Paulo, engenheira civil, amante do cinema hollywoodiano, carrega
consigo um volume de A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo,
frequentadora do Café Divano. É neste que se encontra nosa personagem neste
momento presente.
Aproveita seu café expresso, mas de forma expressa, pois
não pode se atrasar para o trabalho. Ainda faltava uma reta rua de 1 Km. Rua
linda, para seu gosto, casas de simétrico quadrado, bloco sobre bloco
edificando prédios altos, brancos: puros. Nada abalava sua casta mente
paulistana, nada até o momento. É que, em toda aquela coerência metropolitana,
nunca lhe passou pela cabeça a possibilidade de presenciar tão impar figura. Um
loco! Carregava em sua cabeça meia melancia carcomida, vinha em sua direção. Em
seu desespero pensou em inúmeras formas de se defender do potencial assalto.
Gritou, mas ninguém a ouvia, alias somente ela o via. Põe a mão em seu spray de
pimenta em sua bolsa. Chega o louco, aproxima-se, levando consigo toda
surrealidade possível. Ergue a mão, chamando-a, chamando aquela que a ele
aponta um spray de pimenta, inútil agora, porque já arde no coração da moça
toda vontade reprimida. A loucura! A irracionalidade a contaminara.
Amélia sai, então, de seu mundo cubista perfeitamente construído
por um engenheiro formado na USP, segue o louco, o qual pela rua perpendicular
vai andando até um beco. Sem exitar Amélia entra com ele, do que vê uma
carruagem, a carruagem de seu amado. Amado, ahh, quem diria, enfim Amélia encontrara
alguém para chamar de seu, para chamar comigo. “Onde vamos?”, pergunta a moça “Para
onde não?” ao que contesta o homem. “Por que é tão louco?”, “Por que não? Por
que ser coerente em um mundo racionalmente incoerente?”. Era de uma clareza
invejável, percebia Amélia, ou de uma insanidade, logo descobriria,
independentemente, agora era tarde, já era uma louca também. “Vamos, senhorita,
vamos cavalgando por nossas ilusões”. Saem em essa carruagem puxada por um
burrinho com tranças tortas na crina, viajam de canto em canto, de tempos em
tempos em um baile sem ritmo e cheio de poesia.
Amélia
recorda-se então de seu livro, esquecera-o no café, na racionalidade. Não é
importante, pensou, o ethos nele
escrito não foi algo escolhido por mim, mas sustentado, não mais! A ética
capitalista cerceara dela a emoção, mais que isso, o sentimento. É o sintoma de
uma sociedade cristalizada de costumes e cimentada de desejos. Nossa heroína não
mais se prestaria a tal papel. O teatro de sua vida agora se recheará de
emoções, sem esquecer-se da razão, necessária, as vezes. Foi tal a sorte de
Amélias, reificadas por si e por todos durante uma vida, não se deixaram entrar
na obsolescência. Mudou de ethos,
esse que o único sentido da vida é viver.
REFERÊNCIAS: A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo - Max Weber; Balada para um Loco, Amelita Baltar, Astor Piazzola
REFERÊNCIAS: A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo - Max Weber; Balada para um Loco, Amelita Baltar, Astor Piazzola
Nenhum comentário:
Postar um comentário