A homossexualidade
esteve presente em diversas sociedades ao longo do percurso histórico da
humanidade, tendo sido tratada de maneiras distintas de acordo com a conjuntura
social do período em questão. Era uma prática extremamente habitual e aceita na
Atenas da antiguidade, assim como na Roma clássica, por exemplo, e até hoje
diversos homossexuais são figuras de destaque nos mais variados ramos, das
artes às ciências, como Freddie Mercury e Alan Touring, pai da ciência da
computação.
Entretanto, uma
parcela significativa da sociedade contemporânea tem adotado um comportamento
de hostilidade contra esses grupos, propondo até mesmo o não reconhecimento de
alguns de seus direitos básicos. Esse é
o principal assunto tratado na ADI 4.277, do Distrito Federal, de 2011, que
colocava em pauta o reconhecimento da possibilidade de uniões estáveis de
casais homo afetivos serem equiparadas, em termos jurídicos, aos casamentos de
casais heterossexuais. A aprovação de tal medida iria acarretar no
reconhecimento de diversos direitos condicionados pelo casamento, como pensão e
herança, para essa parcela da população que tem sofrido tanto com exclusão,
intolerância e preconceito.
Destarte, para uma melhor compreensão do tema, há de serem invocados
conceitos de importantes pensadores, como o jurista francês Antoine Garapon,
dentro de seu exposto sobre a magistratura do sujeito. Ele conceitua que, em virtude da democracia e
de uma crescente igualdade, os laços hierárquicos naturais da sociedade têm
sido destruídos e sendo substituídos por laços artificiais, criados pelo
Direito. A justiça tem sido requisitada para atuar na resolução de conflitos de
indivíduos desamparados e tomar decisões dentro de uma democracia desencantada,
tornando-se a última instância moral da sociedade, pela inexistência de uma
moral geral.
Outra pensadora do ramo da ciência política de destaque, a alemã Ingeborg Maus, coloca que
quando a justiça transforma-se na última instância da moral, ela passa a ficar
imune a outros mecanismos de controle social aos quais instituições estatais
deveriam estar subordinadas.
Estes conceitos se aplicariam na analise da ADI supracitada, pois o fato
da justiça necessitar dar o veredito final a respeito desse tema é uma
consequência direta do aumento do pluralismo exacerbado da sociedade
contemporânea, não havendo mais a existência de uma moral geral que institua se
tal reconhecimento seria cabível ou não, com a justiça tomando o posto de superiore atrium da moralidade.
O reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo caracteriza-se
como uma interpretação natural a partir dos conceitos fundamentais da
Constituição Cidadã de 1988, que institui, em seu preâmbulo, a defesa da segurança, do
exercício dos direitos sociais e individuais, da liberdade, da igualdade e da
justiça, assim como uma sociedade pluralista e sem preconceitos, não cabendo ao
Estado tratar de maneira discriminatória e instituir direitos distintos para
nenhuma pessoa em decorrência de sua orientação sexual.
É possível uma analogia dos casamentos heterossexuais em relação aos
homo afetivos, já que seguem todos os critérios previstos pelo ordenamento
jurídico para sua realização. Há ainda a questão que o não reconhecimento de
tais uniões acarretaria em uma enorme insegurança jurídica, pois esses casais
não teriam certeza de terem seus direitos básicos reconhecidos pelo ordenamento
jurídico vigente. Uma decisão judiciaria favorável acarretaria em um cenário
com maior segurança jurídica para um enorme número de pessoas.
Por outro lado, existem grupos que criticam tal reconhecimento, por
alegarem que esse processo necessitaria ser feito pelo processo legislativo. Maus
aponta que grupos políticos tentam apelar para instâncias jurídicas para que
as mesmas aprovem seus projetos, ao invés de expor-lhes dentro da propaganda
eleitoral, apresentando tais projetos para a população e, posteriormente, serem
debatidos e eventualmente aprovados através do Poder Legislativo.
No entanto, cabe ao Poder Judiciário decidir a respeito de temas de
grande importância quando o Congresso apresenta morosidade para votar tal assunto,
como se tem notado que tem acontecido na atual conjuntura política brasileira a
respeito do tema do casamento homoafetivo e outros temas relacionados a direitos da
comunidade LGBTQI+.
Há ainda o fato de que o poder Legislativo não conseguir acompanhar a
dinamicidade incomensurável das viradas axiológicas da sociedade, o que faz com
que a justiça fique a cargo de adotar essas mudanças, como é o caso da questão
do reconhecimento de união estável composta por indivíduos do mesmo sexo.
Embora esse tipo de relacionamento já existisse décadas atrás, a sociedade
exercia um processo de marginalização e exclusão desses grupos, o que veio a
modificar-se nos últimos anos. O direito apresenta uma maior adaptabilidade para
essas mudanças, que têm se tornado cada vez mais constante, haja vista que o
juiz possui a possibilidade de analisar os casos segundo suas respectivas
peculiaridades.
Em virtude das ideias expostas anteriormente, há de se conceber o
reconhecimento da união estável e dos direitos decorrentes dela para casais homossexuais.
Este fora o entendimento de todos os ministros do Supremo Tribunal Federal, que
aceitaram, por unanimidade, que essa união fosse equiparada ao casamento entre
pessoas de sexos distintos. Entretanto, há ainda a necessidade de positivar tal
ação através do órgão legislador competente, o que pode demorar um certo período
de tempo para que ocorra. A democracia pode acarretar em uma certa concentração
de poder por parte do poder judiciário por conta da perda da hierarquia
tradicional, mas ainda é a melhor forma de dar voz e representatividade para
grupos oprimidos, como os LGBTQI+.
“A democracia é uma delicia” – Cabo Daciolo
João Lucas Albuquerque Vieira
Unesp - Campus Franca
Direito Matutino
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