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segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Uniões sobre a égide da magistratura do sujeito


          A homossexualidade esteve presente em diversas sociedades ao longo do percurso histórico da humanidade, tendo sido tratada de maneiras distintas de acordo com a conjuntura social do período em questão. Era uma prática extremamente habitual e aceita na Atenas da antiguidade, assim como na Roma clássica, por exemplo, e até hoje diversos homossexuais são figuras de destaque nos mais variados ramos, das artes às ciências, como Freddie Mercury e Alan Touring, pai da ciência da computação.

          Entretanto, uma parcela significativa da sociedade contemporânea tem adotado um comportamento de hostilidade contra esses grupos, propondo até mesmo o não reconhecimento de alguns de seus direitos básicos. Esse é o principal assunto tratado na ADI 4.277, do Distrito Federal, de 2011, que colocava em pauta o reconhecimento da possibilidade de uniões estáveis de casais homo afetivos serem equiparadas, em termos jurídicos, aos casamentos de casais heterossexuais. A aprovação de tal medida iria acarretar no reconhecimento de diversos direitos condicionados pelo casamento, como pensão e herança, para essa parcela da população que tem sofrido tanto com exclusão, intolerância e preconceito.

          Destarte, para uma melhor compreensão do tema, há de serem invocados conceitos de importantes pensadores, como o jurista francês Antoine Garapon, dentro de seu exposto sobre a magistratura do sujeito.  Ele conceitua que, em virtude da democracia e de uma crescente igualdade, os laços hierárquicos naturais da sociedade têm sido destruídos e sendo substituídos por laços artificiais, criados pelo Direito. A justiça tem sido requisitada para atuar na resolução de conflitos de indivíduos desamparados e tomar decisões dentro de uma democracia desencantada, tornando-se a última instância moral da sociedade, pela inexistência de uma moral geral.

          Outra pensadora do ramo da ciência política de destaque, a alemã Ingeborg Maus, coloca que quando a justiça transforma-se na última instância da moral, ela passa a ficar imune a outros mecanismos de controle social aos quais instituições estatais deveriam estar subordinadas.

          Estes conceitos se aplicariam na analise da ADI supracitada, pois o fato da justiça necessitar dar o veredito final a respeito desse tema é uma consequência direta do aumento do pluralismo exacerbado da sociedade contemporânea, não havendo mais a existência de uma moral geral que institua se tal reconhecimento seria cabível ou não, com a justiça tomando o posto de superiore atrium da moralidade.

          O reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo caracteriza-se como uma interpretação natural a partir dos conceitos fundamentais da Constituição Cidadã de 1988, que institui, em seu preâmbulo, a defesa da segurança, do exercício dos direitos sociais e individuais, da liberdade, da igualdade e da justiça, assim como uma sociedade pluralista e sem preconceitos, não cabendo ao Estado tratar de maneira discriminatória e instituir direitos distintos para nenhuma pessoa em decorrência de sua orientação sexual.

          É possível uma analogia dos casamentos heterossexuais em relação aos homo afetivos, já que seguem todos os critérios previstos pelo ordenamento jurídico para sua realização. Há ainda a questão que o não reconhecimento de tais uniões acarretaria em uma enorme insegurança jurídica, pois esses casais não teriam certeza de terem seus direitos básicos reconhecidos pelo ordenamento jurídico vigente. Uma decisão judiciaria favorável acarretaria em um cenário com maior segurança jurídica para um enorme número de pessoas.

          Por outro lado, existem grupos que criticam tal reconhecimento, por alegarem que esse processo necessitaria ser feito pelo processo legislativo. Maus aponta que grupos políticos tentam apelar para instâncias jurídicas para que as mesmas aprovem seus projetos, ao invés de expor-lhes dentro da propaganda eleitoral, apresentando tais projetos para a população e, posteriormente, serem debatidos e eventualmente aprovados através do Poder Legislativo.

          No entanto, cabe ao Poder Judiciário decidir a respeito de temas de grande importância quando o Congresso apresenta morosidade para votar tal assunto, como se tem notado que tem acontecido na atual conjuntura política brasileira a respeito do tema do casamento homoafetivo e outros temas relacionados a direitos da comunidade LGBTQI+.

          Há ainda o fato de que o poder Legislativo não conseguir acompanhar a dinamicidade incomensurável das viradas axiológicas da sociedade, o que faz com que a justiça fique a cargo de adotar essas mudanças, como é o caso da questão do reconhecimento de união estável composta por indivíduos do mesmo sexo. Embora esse tipo de relacionamento já existisse décadas atrás, a sociedade exercia um processo de marginalização e exclusão desses grupos, o que veio a modificar-se nos últimos anos. O direito apresenta uma maior adaptabilidade para essas mudanças, que têm se tornado cada vez mais constante, haja vista que o juiz possui a possibilidade de analisar os casos segundo suas respectivas peculiaridades.

          Em virtude das ideias expostas anteriormente, há de se conceber o reconhecimento da união estável e dos direitos decorrentes dela para casais homossexuais. Este fora o entendimento de todos os ministros do Supremo Tribunal Federal, que aceitaram, por unanimidade, que essa união fosse equiparada ao casamento entre pessoas de sexos distintos. Entretanto, há ainda a necessidade de positivar tal ação através do órgão legislador competente, o que pode demorar um certo período de tempo para que ocorra. A democracia pode acarretar em uma certa concentração de poder por parte do poder judiciário por conta da perda da hierarquia tradicional, mas ainda é a melhor forma de dar voz e representatividade para grupos oprimidos, como os LGBTQI+.

“A democracia é uma delicia” – Cabo Daciolo

João Lucas Albuquerque Vieira
Unesp - Campus Franca
Direito Matutino


 

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